domingo, 20 de março de 2011

Crônica - À Mangueira do Ginásio


À Mangueira do Ginásio.



Existem imagens tão presentes em nós, que mesmo o tempo incólume não apaga suas marcas profundas cicatrizadas em nossa alma.  Não que seja eu um saudosista, que se embebeda de reminiscências por tudo quando em leves sopros de lembranças me fazem mergulhar no calmo mar da nostalgia. Mas sim, existem lampejos que nos remetem tão vivamente a passagens de nosso tempo, que negá-los é mais do que impossível.

Ontem, quando fui levar minha filha ao seu colégio, o meu Ginásio dos tempos de estudante, confesso que estes sopros nostálgicos me envolveram em sua fria certeza absoluta que tais lembranças tão presentes ali, são mais do que irrevogáveis.

Tudo estava como dantes, afora as berrantes cores com que foram pintadas as dependências externas. Qual em flashback vi-me ali novamente percorrendo as galerias em disparada, suando bica, com os “kichuts” indefectíveis, substituindo as frágeis “congas” que nos primeiros meses de inverno logo desbotavam.

Como não recordar a pose sisuda e orgulhosa de Irmão Portela repreendendo a mim pelas travessuras. Como ainda não sentir o gosto mais que adocicado do envergonhado primeiro beijo dado na primeira namorada, ali mesmo, por de trás do átrio do auditório, e, ainda, os arroubos de adolescente namorador, que não namorava tanto, mas inventava como inventavam os outros “namoradores” da minha turma, onde juntos confidenciávamos inverdades na arquibancada da quadra sobre as colegas de classe. Tudo estava como dantes... ou melhor, quase tudo...

Lancei meu olhar perdido no pátio vazio como que procurando o rastilho maior destas doces lembranças, o ícone maior da escola. Mas ela não estava lá, apenas um quadrilátero aleijado do membro mais importante do organismo ginásio.
A mangueira, a minha parceira de travessuras, minha confidente, meu esconderijo quando cabulava aulas -  principalmente as da “Sileninha” que tanta falta me fizeram nos inúmeros concursos que prestei...

Em seu lugar agora somente um tronco mutilado e seco, um verdadeiro atestado à insensibilidade, pra não dizer imbecilidade...
Como linda era a sua frondosa copa, simetricamente aparada, dando-lhe um contorno parecido ao de um imenso picolé.  Copa esta que acolheu a tantos, e a tantos ofertou seus saborosos frutos que saciavam no “recreio” a fome dos que não tinham os trocados pro pão doce com refresco de murici na bodega do Zé do Edgar.
Com um misto de dor e revolta, interrogo um funcionário que varria o agora pátio nu sobre o porquê de terem feito tamanha atrocidade com a mangueira. Com meias palavras sem querer muita conversa ele me responde em monossílabos: “Sei lá!

Insistindo e receoso de uma resposta agora ríspida, pergunto novamente; no que ele me olha meio que de soslaio e frisa: “Olha, uma ruma de gente já me fez esta pergunta e digo de novo. Ouvi dizer que era pra construir uma praça pros ex-alunos”.

Dando-me as costas saiu como que querendo dizer-me que não estava ali pra conversa. Refletindo no que foi dito, fui embora levando comigo uma dor inquieta.  Deixei as dependências do ginásio tentando entender e com uma certeza incoteste. Deus do céu! Se se vai construir uma praça em honra dos ex-alunos, de já, não quero fazer parte desta honraria que a meu modo de entender, nada tem de meritório a nós, filhos desta casa, agora órfãos de nossa mangueira...

Praça dos ex-alunos! Só se for mesmo... quem de nós vai querer participar de tão tresloucado projeto? Dever-se-ia construir sim, um espaço que a valorizasse, à exemplo do que foi feito no passado quando da ampliação do ginásio com a construção do CEPAC, em respeito à árvore, a configuração do novo prédio a respeitou acomodando-a e lhe dando um lugar de destaque no centro, valorizando-a merecidamente, tornado-a mais altaneira.
Ainda. Não me venham com a alegação estapafúrdia de que ela foi cortada por conta do risco que apresentava em termos de captação de raios. Replico; Deus do céu, será que não sabem que a incidência de raios em nossa região é mais do que ínfima. E, se ainda não o fosse, que se instalassem pára-raios oras...

De qualquer forma, vou mostrar pra minha filha o tronco moribundo com seus galhos suplicantes e agora secos, aproveitando desta situação que indigna, ensinar-lhe a valorizar a natureza, principalmente as árvores que tantos anos levam para dar frutos e sombra, mas que em segundos de insanidade nossa, esquecemos dos preceitos franciscanos de respeito à natureza e, dela damos cabo, como se dela fôssemos donos. Esquecendo que ela, a mangueira, é um patrimônio da escola, de todos: professores, funcionários, alunos e principalmente ex-alunos.

Igualmente, lhe falar de como seu pai e tantos outros que aqui estudaram foram felizes crescendo junto com a minha, nossa mangueira mais que querida.
  

Enviado por: Paulo Roberlando – indignado ex-aluno da EF São Francisco.
Março/2001