sábado, 2 de junho de 2007

Liberdade (04/10/87)


Lá fora o vento frio rodeia
As quatro paredes onde me encontro
Tudo é deserto, tudo é silêncio
Materialmente estou sozinha
Mas eu sou livre...
Não sinto solidão...
Ele está comigo, porque o dia todo,
Procurei ser vir, transmitir amor –
Levar a paz...
Humildemente, sinto sua presença, Senhor!

Inicio

Silêncio ...(dezembro/99) - Maria Lúcia


Uma estrela que do alto brilha
Como quem sente comigo a solidão
O silêncio que rodeia o espaço triste
Onde tudo é vazio e imensidão...
Como preencher esta lacuna?
Se você que está tão perto...
Está tão longe?
Perto do coração e dos olhos...
Longe da possibilidade do encontro
Silêncio no olhar...
Silencio nas palavras...
Barulho íntimo de inquietude escondida.
Olhar fixo na estrela que no alto brilha.
Para nos dois em um silêncio sem revelações.

Se eu pudesse.(setembro/87) - Maria Lúcia


As asas da imaginação...
Não me levam a lugar nenhum
Não retiram do meu peito a solidão
Nem retratam a presença viva de alguém
Estou cansada de miragens
Eu quero viajar...
Nas viagens de verdade,
De ônibus ou de trem
Buscar consolo ao meu pranto triste
Buscar abrigo – buscar certeza
E voltar com um gosto de saudade
Sentir realidade e chorar...
Apenas por ter vivido algo diferente.


Obrigada pelo silêncio...(26/08/88) - Maria Lúcia


Tudo vale a pena...
Obrigada pela solidão...
Pois só assim encontro um sentimento
Obrigada pela saudade...
Pois através dela sinto alguém em minha vida
Ele me traz lembranças e doces recordações.
Obrigada por não tê-lo constantemente comigo
Pois só assim posso medir meus sentimentos,
Posso sentir saudade e solidão,
Experimentar a ausência...
Posso escrever sentindo a dor do abandono
Quando ao meu redor...
O silêncio é meu companheiro.

Insônia (15 – 05 – 87) - Maria Lúcia


O sono não veio...
O pensamento busca distante
Uma razão de existir.
Um aperto no peito...
Vem despertar cada vez mais a solidão...
Lá fora o vento solto
Nas folhas das árvores; sacodem
Levando talvez algumas ao espaço.
E eu... Corpo quieto procurando abrigo,
Fechando os olhos procurando o sono,,
Ele não vem, já é madrugada...
Madrugada no tempo e também em mim.

Tudo que restou de mim (10/03/88) - Maria Lúcia


Sou o silêncio de um sentimento mudo
Sou a certeza de um amor calado
Sou um pouquinho de um tudo
Sou solidão das ilusões primeiras
E um vazio penetrando
Das saudades derradeiras
Se ainda vivo...
Sou apenas restos de esperança
Do meu restrito lado ativo
Sou o que sobrou da noite fria
Depois da despedida definida
O que ficou de uma alma vazia.

Quando (12/02/88) - Maria Lúcia


Se eu voltar, quero encontrar amor.
Não julguem mal o que peço com humildade
Pois foi dura a caminhada
Em caminhos cheios de tropeços
Se eu venci... Não sei...
Estou vitoriosa
Porque estou de volta
E sei vou encontrar
O mesmo lugar
O mesmo lar
Dois corações cansados cheios de amor.

Restos de Mim (25/09/87)


Hoje eu chorei /a lágrima que não tive...
Disse em silêncio a palavra que não pronunciei
Construir na imensidão do olhar vazio
A presença da imagem de alguém
Que eu não vi
Meu coração tentou sentir um novo sentimento...
Mas o vazio é maior que tudo
Continuo chorando pela felicidade
Do amor que eu não tive e não causei...

Meu tempo de criança (15/06/87)


Chega à tardinha
Relembro os velhos tempos
A gritaria da sala à cozinha
A hora do jantar – a mesa cheia de gente:
Eu quero isso – eu quero um pouco mais
Depois o alpendre era o espaço ocupado
Um conversando, outro a cochilar
O sinal da cruz era o máximo
Que fazíamos acordados
Adormecidos éramos conduzidos ao leito
Só no outro dia ao amanhecer
Tudo começava outra vez
Tudo que hoje é só saudade!

Lembranças (10/06/87) - Maria Lúcia


Um dia o amor nasceu em mim
Foi tão bonito – meu coração bateu mais forte.
Meu olhar parecia ver mais longe...
Brilhante esperançoso...
Tão pouco tempo! Depois virou lembrança,
Virou saudade e esperança morta.
Não fui o suficiente
Não fui importante..
Não cheguei a ser o que queria ser.
Por isto só restou lembranças.

Eterna criança (Cruz,05/03/87 – meu aniversário)


Posso ver nossa antiga morada
Os corredores vazios – vozes distantes
Já não tem aquelas palavras:
- Menina faz isso... Faz aquilo...
Está tudo tão só...
Os afazeres sem pressa.
A comida mal feita e demorada.
Não tem mais nada de uma grande família,
Só o vazio de uma grande morada.
Sabe-se que nela já morou muita gente,
Mas agora está quase só...
Papai e mamãe já não gritam por mim!
Eu faço o que quero... Sou livre... Sou adulta.
Meu Deus, que grande criança eu sou!

Do outro lado. (Belém, 02/03/87) - Maria Lúcia


Estás contente porque o amor existe,
Pois transparece em cada gesto,
Em cada ato que praticas.
Mesmo depois da dor...
Acreditas que Deus está contigo.
Que cada irmão é imagem do Criador;
E prevalece a certeza:
De que amar é fácil e necessário,
Se deixares transparecer
O outro lado
O lado bom de cada Ser.

Antônio José dos Santos – *31/05/1916; +24/03/2009 - BIOGRAFIAS - Maria Lúcia


Antônio José dos Santos nasceu no dia 31 de maio de 1916, numa quarta-feira, nas proximidades da cidade de Acaraú, no lugarejo chamado Retiro. Foi batizada no dia 16 de julho do mesmo ano, na então capelinha de São Francisco da Cruz, nossa atual matriz, pelo padre Antônio Tomás.
Seus pais, Manuel Pedro de Sousa e Raimunda Nonata dos Santos. Aos quatro anos de idade, mudou-se com a família que incluía sua avó Maria Tomásia e a Chiquinha, para o Belém. Estudou com os professores da época que lecionavam na vila de Cruz: Celso Patrício (um mês) e Filomena Martins dos Santos (quatro meses). Com eles aprendeu o gosto pelas letras. Sendo muito difícil dar continuidade à freqüência às aulas por causa da distância e a falta de transporte, continuou aprimorando o que tinha aprendido, lendo tudo que encontrava e escrevendo seus pensamentos e idéias. Por este motivo seu dom poético pode ser aflorando ao longo dos anos.
Aos 22 anos casou-se com Maria Augusta Muniz, que tinha apenas 17 anos, no dia 03 de setembro de 1938, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Acaraú, tendo como celebrante monsenhor Sabino de Lima. Tiveram 11 filhos, sendo oito mulheres e três homens, contando ainda na progressão familiar, com 54 netos e 54 bisnetos.
Permaneceram juntos 59 anos, pois sua esposa foi chamada por Deus para a eternidade no dia 23 de fevereiro de 1998, deixando saudade e muita solidão, pois nos últimos anos um fazia companhia ao outro, já que seus filhos, todos casados, construíam suas próprias famílias.
Antônio Pedro como é conhecido, não quis ser apenas um simples agricultor comum, sonhava em ser imortal por seu dom poético e lutou por isso, não por vaidade, mas por sentir necessidade de expressar toda sensibilidade e amor acumulado em si como poeta. Como tal, vivenciou e registrou momentos e situações que só os olhos e o coração dos poetas conseguem perceber. Amou e foi amado, como ele mesmo escreveu. De todos os seus amores, uma foi especial: sua esposa, companheira, amiga e catequista. Com ela, aprendeu a alimentar a fé, o amor a Deus e a prática religiosa.
Sua passagem foi coroada pela crença na misericórdia do Pai Eterno. Muitas vezes, colocava-se na presença do Criador e pedia perdão humildemente.
Deixa a mais valiosa herança que um pai pode deixar a seus filhos: a certeza de que tudo é possível quando existe amor e perseverança.
A saudade que sentimos é alimentada pelas lembranças do seu jeito todo especial de valorizar a vida, de amar cada expressão da natureza através das plantas e flores, pássaros e pessoas.
Agradecemos a Deus pelo pai que temos, pela família que com a mamãe construiu, pelo amor cativante que fez transbordar, mesmo sem perceber.

Maria Augusta Muniz – 05 /07/1921; +32/02/1998 - BIOGRAFIAS - Maria Lúcia


Maria Augusta Muniz nasceu no dia 5 de julho de 1921, na localidade de Aningas. Seus pais são Manuel Araújo Muniz e Rita de Cássia Araújo Muniz.
Viveu na mesma casa onde nasceu, até os 17 anos de idade, pois contraiu matrimônio com Antônio José dos Santos, do lugarejo Belém, no dia 03 de setembro de 1938. Depois de casada, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Acaraú, o casal foi residir em Belém numa casinha pequena e simples, onde já moravam a avó de seu marido, Maria Tomásia, e negrinha Chiquinha, que ficou ligada ao casal e ajudou criar seus onze filhos (oito mulheres e três homens).
Maria Augusta faleceu no dia 23 de fevereiro de 1998, aos 76 anos, contando com 52 netos e 24 bisnetos vivos.
Durante toda sua vida, Maria Augusta foi um ser humano admirável, pelo seu jeito fechado, às vezes silencioso e às vezes marcado por palavras sábias. Construiu uma família numerosa e equilibrada, mesmo iniciada na fase da adolescência. Soube ser com carisma: mãe, esposa e educadora da fé de toda sua família.
Maria Augusta foi a mulher forte que escondia seus sentimentos para consolar os outros. Nuca se deixou abater por obstáculos que surgiam: primeiro na vida conjugal e familiar, depois pela doença (hipertensão) que se fez presente a partir de 1987. Daí em diante, suas buscas pela sobrevivência foram constantes, sem materialismo e sem medo da morte. Conhecedora da Palavra de Deus, entendia que se deve lutar pela vida, enquanto for possível. Por isso lutou com resignação e heroísmo, diante das dificuldades. Nos seus últimos anos em busca da saúde, a leitura e a oração fizeram parte de todos os seus momentos disponíveis, e, nos últimos dias, nada mais lhe interessava, a não ser o nome de Deus, de Maria Santíssima e dos Santos de sua devoção.
Seu exemplo de fortaleza e dedicação às pessoas que por ventura adoeciam e faleciam em sua comunidade e até em localidades vizinhas, foi marcante durante sua existência. Sua presença constante e suas orações fervorosas serviam de conforto para todas as famílias.
A passagem de Maria Augusta para a vida eterna será coroada, pois sua caminhada na terra rumo ao Pai foi constante. E agora concretizada. Na certeza de que nunca será esquecida, de acordo com o pensamento de santo Agostinho: “As flores murcham, as lágrimas secam, mas as orações permanecem”, elas serão retribuídas e continuadas em suas diversas formas de fazer subir ao céu o louvor à misericórdia de Deus, através da vida na oração e da oração na vida, marcas de sua trajetória histórica.

Minha Casa - Maria Lúcia


Houve um tempo em que eu só me encontrava, se estivesse em minha casa. Lá era meu porto seguro. Aquela mesma casa onde nasci e morei, até meus vinte e dois anos. Durante muitos anos era muito difícil ficar longe daqueles arredores de areia branca, coberta de um verde capim, em épocas chuvosas. Sonhava, quando estava longe, com o dia de estar planejando minha vida e revendo meus erros e acertos, durante a ausência. Era meu local de retiro, analise da trajetória, tomada de decisões. Por vezes, pensei não ser possível ficar longe dali.
As vitórias e derrotas – realizações e fracassos foram testemunhados pela atmosfera que circundava aquele pequeno refugio: rodeado de cajueiros, laranjeiras e plantas de várias espécies. Até um jardim eu construí - meu pequeno e simples jardim, cultivado por meu pai quando saia para longe, por mais tempo. Era tudo muito particular. Nas noites de lua, abria a janela do quarto: o barulho do vento que levava para longe as folhas secas, traziam-me a sensação de liberdade. Era como se eu fosse uma folha levada pelo vento. Sonolenta pela calma, eu adormecia. Aquela beleza e silêncio eram por vezes inspiradores, e eu poetizava sem preocupação de esconder ou publicar. O objetivo era trazer para fora de mim algo que me sufocava: amor sem dono, sentimento sem rumo, saudade não sei do quê, melancolia e solidão. Uma solidão quase celebrativa, pois era de paz com o mundo e com os braços acolhedores daquele espaço harmonioso que se confundia comigo.
Uma música do padre Zezinho também me reporta àquele tempo: “Minha casa é uma casa pequenina, cabem cinco, mas abriga muito mais...” Ela era acolhedora, pois também se confundia com minha mãe, ela era divertida, quando se confundia com meu pai. Tudo passou como tudo passa. É bom contar esta história, porque as histórias mudam, as pessoas mudam e os sentimentos, que também mudam, são vividos ou suportados pelas mesmas pessoas, de forma diferente.
Meu porto seguro hoje é minha fé, são minhas responsabilidades, são as pessoas para as quais me sinto importante. Meu refugio é onde quer que eu esteja e precise fazer um balanço da vida para tomar decisões que serão muito mais em beneficio dos outros do que de mim mesma, embora também me preocupe com minha saúde para meu próprio bem estar e também para melhor cuidar dos que precisam de mim.
Minha solidão é mais doída, menos tranqüila, mas muito mais fácil de ser canalizada para outras direções: para a oração, o trabalho, a participação em grupos, etc.
Na minha nova casa eu também tenho um jardim, pouco regado. Só agora por um tempo. Eu me despeço dele toda semana e quando volto tem uma planta, a menos, um galho a menos, uma flor a menos. Está acontecendo com ele o que acontece com os sentimentos que não são cuidados: cada dia vão morrendo um pouco, até restar apenas um coração vazio e solitário. Isso é tudo. A vida caminha e as alegrias e tristezas, decepções e angústias são livremente absorvidas e imediatamente selecionadas, cada uma em seu lugar, servindo de lições. Essa é a vantagem de se atingir a “melhor idade”, com fé em Deus e a vontade de viver, para ser útil, para fazer alguém feliz com a simples certeza de sua existência. É assim que eu me sinto e me jogo nos braços do Criador, sem nenhuma dúvida de que serei acolhida, muito mais do que eu me sentia naquela casa, pois eu não preciso viajar para um lugar determinado. Eu me sinto abraçada e acolhida, onde quer que eu esteja.
Sinto saudade da casa, como sinto saudade de um tempo que se foi: um tempo bom da minha infância, adolescência e juventude; dos meus sonhos embalados ao luar das noites de insônia intermináveis que transformavam os dias mais bonitos e radiantes.
Gostaria de ter escrito quase tudo que Vinícius de Moraes escreveu. Como ele já fez, eu não preciso imitá-lo, basta citar e acreditar que alguém lerá pensando em mim: Se eu morrer antes de você faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado. Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão. Se me elogiarem demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me. Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo. Se falarem mais de mim do que de Jesus Cristo, chame a atenção deles. Se sentir saudade e quiser falar comigo, fale com Jesus e eu ouvirei. Espero estar com Ele o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase : ' Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus !' Aí, então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele. E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai, aí, sem nenhum véu a separar a gente, vamos viver, em Deus, a amizade que aqui nos preparou para Ele. Você acredita nessas coisas ? Sim??? Então ore para que nós dois vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito. Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo. Eu não vou estranhar o céu . . . Sabe porque ? Porque... Ser seu amigo já é um pedaço dele!”
Porque...Ser sua mãe... Ser sua amiga... Ser sua... São tantos os motivos para completar esta ultima frase que vou deixar as reticências e cada um sinta-se incluído no meu céu da forma que for conveniente. Eu não saberia fazer um pedido tão completo e personalizado, mas só em admirá-lo já é uma forma de conhecer a beleza do coração de um poeta que tanto reflete amor e amizade.
Em nome do amor e da amizade, muitas coisas podem ser compreendidas, por isso entrego a estes sentimentos em ações criadoras de laços marcantes e definitivos: o mais profundo do meu pensamento em forma de palavras e expressões que buscam: em mim mesma e em cada um dos meus amigos (a) aquele jeito especial de viver e aceitar, tentando transformar, nós e a sociedade num espaço harmonioso e acolhedor.

Tempo oportuno - Maria Lúcia


Tudo tem seu tempo e para cada coisa sua hora...”, como diz o livro do Eclesiastes (3, 1ss), embora estas coisas de esperar, ter calma e sonhar sonhos possíveis só aconteçam em certa altura da vida. A possibilidade de sonhar e realizar algo satisfatório no alto dos cinqüenta anos era coisa de lunáticos. Hoje, com tal idade, é cada vez mais comum encontrar pessoas buscando a realização profissional, pessoal e até amorosa. Uma mudança cultural ainda pega muita gente, de surpresa. Até mesmo os indivíduos em questão. Aquela frase: “Não posso mais por causa da idade” ainda é pronunciada, mas cada vez mais carregada de uma aparente dúvida, e às vezes da certeza de que ela esteja ultrapassada.
Quantas coisas importantes deixaram de ser feitas, quantos sonhos sufocados, quantas descobertas científicas... Quantas e tantas experiências que poderiam ter salvado vidas, e tornado o mundo melhor, morreram com seus idealizadores e descobridores, por causa da cultura popular de que “papagaio velho não aprende a falar”?!. O conformismo destas pessoas era e, ainda é, um ponto a ser discutido, pois muitos se anulam, simplesmente por concordarem que não são mais capazes.
Temos que rever esses conceitos, mesmo porque em muitas culturas as experiências dos mais velhos são contadas como ponto importante para a tomada de decisões na comunidade.
No Brasil, temos políticos, presidentes de grandes empresas, chefes de importantes cargos, etc. Isso é muito comum, mas quando se fala em trabalho, carreira profissional, formação acadêmica, participação social, para pessoas comuns, surge sempre alguém disposto a repetir aquela velha frase: “Ele (a) passou da idade, para que começar a essa altura da vida?!”
Mas, se observarmos bem o que é o tempo para cada pessoa, vamos descobrir que a ordem natural nem sempre é obedecida. Quantos jovens morrem lamentavelmente, em pleno limiar de suas realizações, fatalmente ou de forma violenta? Outros, por autodestruição? Crianças sem perspectivas, famílias sem recursos ou coragem de sonhar? Diante deste quadro, vale a pena, seja qual for o tempo, a idade ou o contexto social, buscar suas próprias realizações. Iluminar o mundo com ideias cada vez mais ousadas, vindas cada vez mais de pessoas humildes, como forma de resgatar, voz e vez para os que perderam a coragem de acreditar que tudo é possível, quando se busca com humildade e obstinação algo que possa despertar na humanidade um jeito novo de igualdade, aquela em que não importa a classe social, mas a condição de filhos do mesmo pai, que no seu jeito próprio de ser é capaz de não se sentir humilhado por certos contra valores que lhes impõem, pois esses só derrubam os orgulhosos que não se aceitam: são os “pobres ricos”, que terminam por se esconder, por causa de sua condição. Isso deixa bem claro que estão de acordo com a ideologia do capitalismo, “onde o valor da pessoa é medido pelo ‘ter’ e pelo ‘poder’.”
O tempo oportuno para todos nós é aquele quando nos encontramos dispostos a realizar nossos ideais, sem preocupação com a cronologia, datas, etc. Esse é meu lema: “Viver no tempo presente”, embora na certeza de que tudo passa. Como sabiamente escreve padre Antônio Vieira: Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas, que partem do centro da circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos que lhe armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e foge. A razão natural de toda essa diferença, é porque o tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto e bastam serem usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.”
Esta talvez não seja minha tese em relação ao amor e ao tempo, mas com certeza é um caso a pensar, e, nesta perspectiva, viver cada momento, aproveitando-o em suas diversas dimensões, enquanto não passa pelas peripécias do tempo. Isso parece ser uma antítese para quem gosta de sentir saudade e curtir as lembranças do passado, como eu. Mas não é. Lembrar não é ficar preso, preservar bons costumes, recordações que nos enobrecem, não é, apegar-se. É simplesmente viver o aprendizado, aprimorando-se e abrindo-se para novas experiências, a partir de uma base sólida que trazemos de herança, pois com toda tecnologia e mudanças de ordem global “...ainda somos os mesmos e vivemos, como os nossos pais...”
Ao contrario do poeta, essa não é “minha dor”, mas minha alegria. Ser fruto de uma árvore genealógica da qual posso ter conhecido os mais antigos descendentes, através de meus pais, é ter certeza mesmo que suas sementes jamais morrerão.

A vida continua - Maria Lúcia


É muito bom participar novamente do grupo de pessoas que colaboram, de alguma forma, para esse movimento constante de atividades individuais que levam ao dinamismo coletivo. Essa roda viva de vivência em sociedade. È surpreendente e ao mesmo tempo previsível.
Creio que nascemos para fazer parte desta integração entre naturezas diversas que compõem um universo diversificado, enquanto Cosmos e enquanto natureza humana. Querer fazer parte de um meio que nos leve a um fim é cada vez mais fascinante e desafiador. Mas, por incrível que pareça, queremos, se somos seres saudáveis, enfrentar de frente estes desafios conseqüentes ou inconseqüentes.
Sei que nada acontece por acaso. Mesmo se assim fosse, os acasos nos levariam a atos concretos que se somariam às nossas experiências planejadas e nos tornaríamos frutos deles do mesmo jeito. Estou certa de que tudo em nossa vida gira em torno de um centro misterioso e misericordioso que chamamos de natureza divina, ou Deus, e, esse ser supremo nos ama e nos acompanha, apesar, e, talvez até por causa de nossas fraquezas. Esta certeza é alento e força, para alguns, ou tormento, para outros, pois a certeza de sermos sempre “vigiados”, como num “big brother”, é maravilhoso, ou constrangedor, dependendo de nossa postura, crenças, ideologias e ações. Muito mais que ações. Somos convidados a perceber e participar deste contexto, mas nem sempre estamos dispostos. Isso nos torna pessoas menos felizes e mais longe do verdadeiro caminho.
Muitos jovens são vítimas desta indisposição para a busca do conhecimento acolhedor e extraordinário: a verdade ensinada por Cristo. Por isso tanto secularismo e tanto desvio do “caminho”. Ser jovem hoje é um desafio desesperador. Só que não percebido por eles. Em suas inexperiências, é difícil enxergar quais apelos são verdadeiros. “Curtir a juventude” é um perigo cada vez mais crescente, pois muitos ficam atordoados e tomam direções opostas aos valores que os levam para a vida, seguindo caminhos de morte. Ser pai, e ser mãe também não é nada fácil, olhando para todos os lados sem encontrar saída. Uns preferem a indiferença, talvez por não saberem o que fazer. Outros (a) manifestam suas angústias e vão até às últimas conseqüências, participando e ajudando como podem e quando são aceitos.
Não estou sendo dramática. O que eu não sou é pessimista: acredito na harmonia entre pais e filhos, e da sociedade como um todo: no entanto, ela não acontece por acaso, temos que seguir a direção correta, a sabedoria plena, a ajuda eficaz que vem da pureza do coração de Cristo, do seu amor incondicional por nós, dos seus braços acolhedores a nos esperar.
Estou muito longe de ser perfeita, pois tudo que escrevo, também serve para o meu próprio crescimento e visão de tudo o que preciso ser para sentir e encontrar aquele aconchego, em forma de esperança e fé, que me faça continuar de cabeça erguida, na certeza de que nunca estive ou estarei só, sem a presença de Deus em minha vida, sem esse amor e essa misericórdia sem limites que leva ao perdão, de forma justa e verdadeira.
Confio no poder de um ser superior, do qual somos dependentes, como que a nos dizer que não foi por acaso que nascemos e que escolhemos certos caminhos, embora as circunstâncias da vida nos levem, muitas vezes, para onde não existe destino, mas sim, para onde insistimos por nossas próprias escolhas. Escolhas feitas à luz da superficialidade e do imprevisível que nos espreita em cada esquina de nossa vida.

Parada forçada - Maria Lúcia


Quando iniciei escrever minha trajetória de vida com minha família, jamais imaginava que viveria momentos que estou a viver , mesmo porque queria apenas registrar a saudade de meus pais e o exemplo de vida que eles me deixaram. Mas resolvi acrescentar este relato. Tenho tempo disponível para tal. Um tempo que chamo de “parada forçada”. Não planejei parar minhas atividades por tanto tempo. Tomei uma decisão que me levou a isso. Acreditei na sorte, aliás, acredito. Esta parada está sendo muito mais positiva do que negativa, pois em cada dia que passa encontro mais motivos para acreditar na providência divina. Tudo na vida tem sua importância. Quando atarefada de trabalho, não conseguia enxergar. Talvez pareça isso mais uma de minhas loucuras. Mas foi preciso um intervalo, um tempo maior para a oração e a reflexão, para que tudo ficasse claro em minha mente, em relação ao meu modo de ver as coisas e as situações de convivência e aceitação das pessoas importantes para mim, com suas limitações. Entender, tentar ver o óbvio pela teoria do que sei, foi sempre minha direção. Mas nunca tinha nascido dentro de mim esse milagre tão desejado: o sabor doce do perdão, do abraço sem cobrança, do olhar sem reservas, da amizade numa situação quase perfeita e harmoniosa, aceitar o que não pode ser mudado, e ver principalmente em mim o que precisa ser mudado. Sempre achamos uma desculpa, ou culpa do outro, para não aplicarmos o que sabemos na teoria. Isso é mais comum do que parece. Para mudar nosso modo de agir diante de situações e pessoas com as quais não concordamos é preciso muito mais que saber o que fazer, pois, o como fazer é mais eficaz e requer tempo, força de vontade e, acima de tudo, estar disposto a anular-se, mesmo sabendo a forma “certa”, para deixar que prevaleça a opinião do outro e a sua participação.
Estou vivendo tal momento: deixar “minha certeza”, ser questionada. Ouvindo mais o que Deus tem a me falar através de gestos, acontecimentos e situações. E já ouvi muito. Os momentos de oração e de escuta são verdadeiros retiros espirituais, que esse “tempo” vem me proporcionando. Quase não tenho sonhado ou planejado o dia de amanhã, como era meu costume. Durante muito tempo percorri caminhos sonhados e planejados detalhadamente. Eu sabia para onde ia e o que me aguardava. Isso era bom, pois tinha segurança. Até que ponto é bom ter segurança! Acredito que nos tornamos muito cépticos, como se fôssemos donos do nosso destino. Dou graças a Deus por esta oportunidade, pois eu estava me tornando, sem perceber, alguém muito materialista, com um discurso voltado aos valores aprendidos e uma prática encaminhada para valores existenciais, absorvidos pelas orientações sociais contemporâneas.
Apesar dos momentos de angústia e medo, está sendo especial este acontecimento: ficar sem trabalho, sem saber como vou pagar minhas dívidas amanhã é desesperador aparentemente, mas animador, quando nos colocamos diante da Providência divina e confiamos que tudo se resolverá, porque Deus não nos abandona. É em situações assim que provamos a nós mesmos a fé que temos. Aquela certeza do que ainda não aconteceu e que será de acordo com nossas expectativas, a partir do que acreditamos, apesar de nossas limitações.
Parar no meio de um caminho que precisa ser percorrido, porque outras pessoas que nos acompanham precisam chegar em segurança a algum lugar, e ser preciso interromper a caminhada, nos faz, de certa forma, sentir a fragilidade das criaturas, diante da grandeza do Criador. Tudo que conquistamos parece tão insignificante pela ótica existencial e tão valiosa, quando olhamos através do olhar espiritual. Tudo que vale a pena ter conquistado está relacionado ao nosso caráter, à nossa capacidade de ser “um ser humano”, diferente das outras criaturas de Deus. Capacidade de discernir o bem e o mal e escolher de acordo com nossas experiências e crenças a direção a ser seguida.
Valeu por muitos motivos, os já citados e também as experiências de estar à mercê das decisões de outras pessoas que, de certa forma, estão com nosso destino em suas mãos e que não fazem nada para acelerar o processo de ajuda. Pude perceber como as tarefas e a corrida destas pessoas por seus próprios interesses, passam por cima da carência dos outros, sem pelo menos demonstrar uma preocupação em relação às necessidades que possam estar atravessando, e o sofrimento angustiante da falta de subsídios para sua própria sobrevivência. O respeito e o compromisso com à pessoa que espera uma decisão, de trabalho, por exemplo, meu caso, deixa bem claro a necessidade de tantas pessoas de olhar um pouco em volta e colocar-se, só um pouquinho, no lugar de alguém que passa por dificuldades, para perceber a semelhança que nos une como seres humanos.
Graças a Deus não tenho mágoas. Tenho um imenso desejo de ser uma pessoa melhor e não fazer, quando depender de mim, alguém passar pelo que passei, nesta parada forçada. Embora tenha aprendido muito com ela, foi muito difícil suportar, principalmente as cobranças de terceiros e os momentos de sentimento de fracasso e insensatez.

A vida e o tempo - Maria Lúcia


O tempo tudo cura, alguém já disse. Curar entende-se por não mais se sentir da mesma forma aquilo que negativamente nos marcou profundamente, através, principalmente de experiências muito significativas. Acredito nessa premissa, pois os retalhos que sobram de todas as peças que a vida proporciona, aos poucos vão sendo costurados, embora alguns com linha muito frágeis.
Viver sentindo as mudanças do tempo e de nós mesmas faz com que acreditemos que nada é eterno e que os momentos, por melhores ou piores que sejam, passam. Isso nos conforta ou nos entristece, dependendo da situação. Imagino muitas vezes que se o tempo parasse em momentos felizes, talvez ficasse sem graça, até a felicidade.
Reportando-me às fases mais marcantes da minha vida posso visualizar momentos que pareceram ruins e agora parecem tão diferentes e até saudosos. E aquela frase: “Eu era feliz e não sabia", está sempre se repetindo. É como se olhássemos de fora, depois dos acontecimentos vividos. Enquanto estamos vivendo, esquecemos, muitas vezes de "curtir o momento", nos apegando a detalhes insignificantes, não percebendo o que realmente é o cerne, o principal, aquilo para o qual somos "chamados" a realizar em qualquer situação onde estivermos inseridos.
As pessoas, amigas ou apenas conhecidas, são peças importantes na passagem de nossos momentos. Até as que nos criticam ou nos olham com indiferença. São estas ultimas, às vezes, as que mais nos dão forças para lutar por nossos ideais. E a construção das amizades se dá pelos encontros e pelos desencontros. Como diz Vinícius de Moraes: " A gente não faz amigos, reconhece-os". E não é pela convivência que vamos reconhecendo nossos amigos, mas pelas atitudes, até de um olhar, de um gesto, de uma palavra, que sabemos por terceiros, ditas ao nosso respeito. Não sei quantos amigos reconheço, sei de alguns que realmente se preocupam comigo e torcem por mim, e eu nem sei porque os cativei. Essas coisas a gente não sabe. Assim como não sei por que algumas me cativaram.
Assim, a vida e o tempo continuam, levando e trazendo momentos, acasos ou não acasos, que experimentamos levados por nossas escolhas e pelas escolhas dos outros, que somos obrigados a participar como seres sociais, onde uma determinada situação, boa ou ruim, tem a participação de muita gente. Essa teia que tece a sociedade vai jogando a gente, e, às vezes, como seres inanimados. Estamos em lugares e situações que nem mesmo imaginamos estar; mesmo sendo escolha nossa, nos perdemos em algumas delas, e, para nos encontrarmos novamente é preciso visualizar um ser superior, que independente de nosso querer, nos criou e nos protege, gratuitamente. E é essa força divina que faz toda diferença em nossa vida e em nosso tempo. Ele é o amigo por excelência, que "nos amou primeiro", e caminha a nosso lado. Em todas as fases da história, quando mais eu precisei, Ele estava disposto a encorajar-me a seguir em frente, sem fraquejar e sem perder a esperança de uma saída triunfante; com um caminhar mais firme, sem medo, nem constrangimento. Tal qual diz a sentença: "Só sabe levantar-se, quem sabe cair". Saber cair é aventurar-se em busca do ser melhor, normalmente esses caminhos tem tropeços, principalmente se essa busca não quiser passar por cima de outros: se soubermos o momento certo de avançar, sem ultrapassar sinais proibidos, mesmo que não nos levem a uma realização plena, na certeza de estarmos fazendo o que é certo e proveitoso.

A Experiência de Ganhar e Perder - Maria Lúcia


A vida nos proporciona, entre tantos acontecimentos que nos parecem sem importância, ganhos e perdas que muitas vezes se confundem. O que parece óbvio como ganho, às vezes, é perda, e vice versa.
Minha maior perda foi quando, aos oito meses de gestação, senti um pequeno desconforto, e quando cheguei ao hospital foi constatado que meu filho não estava vivo dentro de mim. Eu não acreditei, e durante aqueles cinco dias que se seguiram até ser operada e ter visto meu pequeno filhinho, sem vida, diante de meus olhos, foi que percebi que era verdade. O sofrimento de antes parecia menor pelo fio de esperança que me conduzia. Lembro-me das noites de insônia, sozinha, pensando em tudo o que tinha acontecido, em parte agradecendo a Deus pela oportunidade de estar viva e poder continuar com meu primeiro filho, o qual, na época, tinha apenas quatro aninhos, razão dos meus pedidos à Deus para continuar vivendo. Foi tudo muito complicado pela falta de dinheiro, e de atenção de profissionais que me atenderam. Preciso registrar a importância do profissionalismo e do respeito ao ser humano, dos qual tive o privilégio de ser beneficiada, depois de experimentar o contrário. Passei, desde quarta-feira até domingo à noite, quase sem atendimento: eles me deixaram sozinha em um compartimento pequeno. Só de vez em quando alguém vinha me ver. Ver se eu ainda estava viva, acho, Somente na noite de sábado resolveram aplicar um soro que me fazia sentir dores e dilatação para ver se eu conseguia ter aquele natimorto de forma natural. Não deu certo. E eu fiquei assim, sentindo dores, até domingo pelas sete horas da noite quando chegou o médico que me atendera quando fiquei internada. Ele estranhou de eu ainda estar lá, e mandou preparar imediatamente a sala de cirurgia para que eu fosse operada. Os outros médicos que estavam no plantão não queriam aceitar. Dentre outras das conversas que ouvi, um deles afirmou que não adiantava, pois eu morreria de qualquer maneira, já que o feto já estava em decomposição e a infecção era certa. Eu esqueço estas palavras: do médico Dr. Mouro: “Eu quero tentar”, (em seguida, chegou perto de mim, perguntando-me se eu estava disposta a correr o “risco de viver ou morrer”). Mesmo muito confusa eu disse que estava nas mãos de Deus e ele fizesse o que fosse de sua vontade. Neste momento, veio-me um pouco de consciência sobre a real situação, então acabei pronunciando esta prece, em voz alta: “Por favor, meu Deus me deixa voltar para casa e cuidar do meu outro filho. Ele precisa muito de mim!”. Senti a emoção nos olhos do Dr. Mauro, enquanto providenciava tudo que era necessário para a cirurgia. Conduziram-me para o Centro Cirúrgico, e lá continuei rezando em voz baixa durante todo procedimento. Procurava não sair de mim, tinha medo de não voltar mais. Fiz um esforço muito grande para não dormir, tentei pensar em meu filho que estava em casa. Pedi à alma da madrinha Chiquinha (já falei dela), nossa segunda mãe, que já havia falecido, há muitos anos. Senti a presença dela junto de mim, segurando a minha mão. Neste momento, não tive mais dúvidas: eu ia viver eu que não estava sozinha. Ouvi o médico dizer que eu não estava mais viva. Senti os outros médicos me reanimando e tentando abrir meus olhos. Então ouvi um deles dizer: “Você teve uma hemorragia muito forte, retiramos o seu útero para lhe salvar”. Abri os olhos sonolentos, e uma enfermeira diante de mim, mostrando-me, todo enroladinho, o corpinho de meu filho.
De tantas coisas que não consigo esquecer uma delas foi a emoção do Dr Mauro, quando me trouxeram para o CTI. Enquanto as enfermeiras me aplicavam sangue e mais alguns medicamentos por causa da minha situação, ele chorava ao meu lado. Lembro-me bem das suas palavras: “Deus lhe deixou viver, você nasceu de novo, está sem nenhuma infecção, capaz de se recuperar”. Eu quase não entendi no momento o que ele estava dizendo, não pude lhe agradecer, estava muito fraca, sem ânimo, sem forças, ouvia tudo como se fosse um sonho. Só depois fui juntando as peças e definindo o que era realidade e o que era sonho, naquele episódio. Até hoje rezo pelo Dr. Mauro, por sua coragem e profissionalismo, por seu amor à vida de quem ele nem mesmo sabia de onde vinha, ou quem era. "Eu era só um ser humano", para os outros médicos. Para ele eu era "o único ser humano" que precisava de sua capacidade profissional. Percebi a diferença que existe, para determinadas pessoas ao ouvirem quase as mesmas palavras. Em alguns contextos e em alguns corações, as palavras podem ter significados opostos, e faz em toda a diferença em relação a valorização, ou não, da pessoa do outro. Este, independente de quem seja, é digno de respeito e atenção simplesmente por “humano".
Outras perdas se seguiram, das quais, algumas não vala pena registrar. E tantas outras! Depois de certo tempo, como já disse, tornaram-se experiências de vida, portanto ganhos. Neste momento, a maior delas, essa que citei. Na verdade se fosse contar tudo o que passei em todos os aspectos da minha vida, a partir desta mesma época, ocuparia muitas páginas e algumas lágrimas viriam

Um lugar ao sol - Maria Lúcia


Depois de uma noite de insônia e solidão, finalmente o sol. Quem já não se sentiu assim: tendo vontade de abraçar, mais uma oportunidade de ver o mundo às claras. É como se o sofrimento da noite passada ficasse tão distante, incapaz de fazer parte deste outro momento, em que essa dádiva divina nos faz enxergar fora e dentro de nós mesmas para dizer-nos que ainda vale à pena sonhar. Apesar de ontem, vale a pena acreditar que o Criador faz o sol nascer para todos, e todos tem o seu lugar ao sol, o seu lugar no mundo.
Reflito muitas vezes sobre o não acaso de estar aqui, nesta dimensão. Cada dia que nasce me fortalece a esperança de buscar o meu lugar, seja onde for.
Quero que eu seja capaz de ver, dentro de mim, minhas limitações para mudar se for possível, fora de mim, quem está ao meu lado, e dar a mão, se alguém estender e sua em minha direção. “Eu já cheguei muito perto de onde sonhei”, me distanciei de novo e de novo voltei. A vida é assim, pequenas realizações nos levam ao topo, e elas não são percebidas por alguém. São tão insignificantes para uns e tão significantes para nós, sujeitos a elas. Sou grata por tudo que pude realizar em minha vida, sou mais grata ainda pela inquietação que ainda existe dentro de mim. Aos 51 anos, eu sou capaz de recomeçar, eu me acho louca às vezes, mas acabo achando normal. Se não fosse assim não seria eu.
Enquanto espero, a realização das minhas buscas: vou a “Pasárgada”, como Manuel Bandeira e lá a “vida basta”. Assim vivemos os sonhadores, os crentes e os considerados loucos, pelos moldes do capitalismo, onde a estabilidade financeira é a competição mais disputada. Embora que com muitos obstáculos haja um grande número de “vencedores”. Nesta corrida, àquele que leva à realização e à felicidade chegam bem poucos.
Vencer e não ser feliz! É tornar-se vencido e não vencedor. Cito um relato sobre o ser humano que revela algumas verdades que sabemos, mas não admitimos em relação a nós: “O ser humano perde a saúde para ganhar dinheiro, depois perde dinheiro para recuperar a saúde. E por pensar ansiosamente no futuro, esquece do presente, de tal forma que acaba por não viver, nem o presente, nem o futuro. E vive como se nunca fosse morrer e morre como se nunca tivesse vivido”...
Esta é uma realidade existencial cada vez tão mais crescente em nossos dias que precisamos mudar dentro de nós, se queremos, para que possamos dizer que a vida pode ser maravilhosa, vivendo os momentos, um de cada vez. Acompanhando, por exemplo, o crescimento dos filhos. Lembro-me de como foi bom, não ter emprego durante o crescimento do meu filho. Era tudo tão escasso, mas de tudo tinha um pouco. Deus providenciava e nunca faltou o essencial para ele crescer forte e saudável. Às vezes, emocionava-me ao vê-lo brincar. De certa distancia, observava sua criatividade com os brinquedos: pecinhas de montar, bonecos e carrinhos, quando ele criava estórias engraçadas. Depois com os materiais escolares: os desenhos e pinturas, as primeiras músicas ensinadas pela “tia”, as historinhas que ele contava, antes de aprender a ler, olhando para os desenhos, as primeiras palavras lidas e escritas. Era tudo novidade para ele. Para mim era a emoção de ter alguém se “formando” sob minha responsabilidade, era a certeza de que Deus estava do meu lado, ajudando-me nos momentos difíceis. Foi e continua sendo a maior e a mais gratificante experiência da minha vida: ser mãe.

A maior riqueza - Maria Lúcia


As mensagens de Jesus são renovadas a cada dia, em perguntas não formuladas e respostas não ouvidas. Quando temos oportunidade de deixar que Cristo tome conta de alguns de nossos momentos, estes são capazes de nos transformar por inteiro e fazemos como os discípulos no Monte Tabor. Se pudéssemos ficar … Quanta coisa aproveitaríamos, quanto sentimento bom tomaria conta de nós. Mas a quem iríamos entregar tanto amor? O amor só vale a pena quando distribuído, espalhado, aliás, amor não se esconde. Como esconder o que as janelas do coração revelam? Era assim a atitude repreensiva de Cristo para com seus discípulos.
São tantas as formas de amor! Como em todas as fases da minha, vida algum tipo de amor bate forte em mim e me faz respirar e ter motivo para dormir e acordar; para lutar por um objetivo que me leva rumo a um sonho que pode ser verdade, pois a luz deste amor direciona meu caminhar. E como diz o poeta “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. A alma que ama nunca é pequena, pois está sempre disposta a perdoar, a falar e, a calar, quando as palavras valem menos que um simples olhar silencioso ou um adeus para não atrapalhar os momentos de solidão de alguém. Estes algumas vezes, são bem importantes.
A vida tem que ser de paixões, no bom sentido. Acordar acreditando que o dia será maravilhoso, que as pessoas amadas vão saciar a sede de companhia, e as pessoas conhecidas vão ser solícitas e as “outras”, que amargam a vida, serão capazes de perceber a presença doce de um olhar fraterno.
Gosto de sonhar. Eu mesma transformo as barreiras existentes entre os seres humanos e, juntos, formamos uma corrente de solidariedade, onde as carências de afetividade são rompidas e, como crianças, nos olhemos, olho no olho, revelando as verdades do coração e da alma, só para sermos felizes por alguns instantes, ao menos.
Outro dia, ouvi a opinião de um escritor: “escrever para alguém gostar é transformar-se em vitrine, onde pessoas param para admirar o produto, este esculpido em palavras que o artista, num momento de amor ou de dor, transborda e se deixa abrir até revelar sua alma”. Esta é uma experiência encantadora: “ser vitrine”. Cada transeunte, além de observar, sentir certa atração, certo prazer ao adentrar mais e mais, palavra por palavra, frase por frase, expressões que formariam dentro de cada um: desejos cada vez maiores de também querer ser vitrine de alguma forma, mesmo que doesse, mesmo que ao arrancar o sentimento de si, para mostrar-se aos outros, nascessem cicatrizes doloridas. O amor tem destas coisas, é bom que se saiba. Enquanto amamos alguém, morremos um pouco. Amar é sair de si mesmo em busca do ser amado, e às vezes não é fácil. O caminho, é estreito, os espinhos estão à espreita. Nossa única defesa é a capacidade de ser forte e amar sem fronteira. Riqueza maior não podemos acumular.

A importância das memórias. - Maria Lúcia


As pessoas, os acontecimentos, os casos e acasos que percorrem nossa existência são verdadeiras relíquias. Quando recordadas, parece que estamos de volta ao passado; até os perfumes e a música que embalou nossos sonhos tornam-se reais ao nosso olfato e audição, misturando-se aos acontecimentos já vividos.
Guardar pequenas lembranças como fotos, vídeos e até a flor murcha na página da agenda, ainda é válido, creio, para os românticos atuais. Os sentimentos não mudam com o progresso tecnológico, apenas mudam de forma, algumas vezes e em algumas pessoas, mas a essência é a mesma: somos seres carentes de memórias, de volta aos erros ou acertos, aos momentos bons ou ruis, que na maioria das vezes nos ensinaram muito, e precisam ser lembrados como referência de nós mesmos.
Minha mãe colecionava verdadeiros museus em seu baú. Com o tempo, a gente ia mexendo e relembrando. Como eu gostava de remexer naquele baú! Ver fotos, cartas, santinhos, etc. Coisas que eu mesmo escrevia para ela, poesias do papai, cópia de fragmentos de livros que ela lia.
De vez em quando eu tentava eliminar alguma coisa, minha mãe ficava irritada e dizia que tudo ali era importante. Eu teimava e tirava algumas coisas que eu achava inútil. O tempo foi passando até que ela mesma se foi e aquele baú ficou esquecido num canto da antiga casa, por muito tempo, mas como tudo passa, ele também passou. De tão importante, em uma época, virou lixo e foi jogado fora, junto com outros lixos não menos importantes, para um determinado momento da história. Ficaram algumas coisas que eu guardo comigo. Agora eu as acho importantes. Quem sabe, daqui a bem pouco tempo, não passarão de velharias sem sentido. O que importa é o valor sentimental que fica sempre e que será lembrado por alguém. No decorrer da história, com ou sem lembranças palpáveis, haverá de falar de seus antepassados por algum feito.
Meu pai sempre falava da importância de ser lembrado. Ele acreditava que se tornaria imortal por seus versos, e que seria uma forma de estar sempre presente nesta vida, da qual tanto gostava. Tenho certeza que para ele, (se pudesse ouvir) seria motivo de muita alegria cada vez que se falasse de sua capacidade e criatividade. Ele até mereceu um troféu de poeta prosador, nos 25 anos de emancipação de Cruz, a cidade que tanto amava.
Eu não consigo esquecer sua luta e insistência para ser ouvido, chegava a ser inconveniente, mas sua simplicidade era tanta que não percebia.
Ontem ao ser tombado, o pé de tamarineira, como patrimônio histórico senti, sua presença, e lembrei-me: como ele teria insistido para recitar ou cantar seu poema sobre aquela árvore onde ele conta ter brincado, quando criança, em sua sombra. Assim, ele mesmo escreveu:
(...)
Oh! Velha tamarineira
Era minha companheira
Naquelas manhãs fagueiras
No tempo de minha escola
Onde eu me sentava,
Em sua sombra repousava
Bolinhos eu merendava
Tirando de uma sacola.”
(…)
Foi difícil conter as lágrimas, como está sendo agora, de saber que ele não está aqui, e se estivesse, com certeza, seus versos não teriam sido também esquecidos. Talvez pela falta de espaço ou tempo devido a extensa programação, não foi possível. Ultimamente algumas pessoas começavam a ver a importância de suas poesias. Ele achava muito importante, eu também, por isso faço questão de registrar. Meu pai é meu grande ídolo, não só como pai, mas como ser humano. Minha mãe percebeu isso muito cedo, quando ficou encantada por ele aos dezessete anos de idade. Tudo que ela passou ao seu lado demonstrou que o amor dela foi além daquele encantamento inicial, que até fez com que ela desobedecesse a sua família para casar-se com ele. A oposição da família era por causa da fama que tinha de conquistador. Mamãe talvez não visse em suas traições e boemias, algo que a magoasse, mas a inquietude de um jovem que estava sempre querendo mais da vida do que lhe era oferecido. Por isso ensinou-lhe a permitir-se ser perdoado e amado. Uma forma de amor das mais bonitas. Por isso, todos nós, seus filhos, soubemos respeitar, amar e aceitar nosso pai com todas as suas limitações e defeitos. Esse tipo de amor acontece raramente; mas aconteceu, e eu faço parte deste acontecimento.
E confesso: eu mesma não sei amar assim: Em algum momento perdi as características desta herança; quero sempre as demonstrações de amor bem espontâneas e definidas. Minha mãe foi muito corajosa, firme em seu propósito: ser mãe e esposa. Era tudo que ela sabia fazer, sem muita dificuldade, e com um jeito todo especial de tomar conta de tudo, desde os afazeres da casa, até à produção agrícola, da qual participava com meu pai, e depois, com meus irmãos, ativamente.
Posso dizer hoje, com mais experiência da vida, que minha mãe era sábia, ou seja, ela possuía a sabedoria que muitos estudiosos buscam através da teologia e filosofia, em anos de estudo. Alguns conseguem, outros não. Ela tinha sensibilidade, e aplicava a leitura da Bíblia e a leitura do mundo, do seu mundo, com ação, trabalho e luta pela sobrevivência, de forma admirável, como quem trazia consigo algumas certezas, traduzidas em fé.