Houve um tempo em que eu só me encontrava, se estivesse em minha casa. Lá era meu porto seguro. Aquela mesma casa onde nasci e morei, até meus vinte e dois anos. Durante muitos anos era muito difícil ficar longe daqueles arredores de areia branca, coberta de um verde capim, em épocas chuvosas. Sonhava, quando estava longe, com o dia de estar planejando minha vida e revendo meus erros e acertos, durante a ausência. Era meu local de retiro, analise da trajetória, tomada de decisões. Por vezes, pensei não ser possível ficar longe dali.
As vitórias e derrotas – realizações e fracassos foram testemunhados pela atmosfera que circundava aquele pequeno refugio: rodeado de cajueiros, laranjeiras e plantas de várias espécies. Até um jardim eu construí - meu pequeno e simples jardim, cultivado por meu pai quando saia para longe, por mais tempo. Era tudo muito particular. Nas noites de lua, abria a janela do quarto: o barulho do vento que levava para longe as folhas secas, traziam-me a sensação de liberdade. Era como se eu fosse uma folha levada pelo vento. Sonolenta pela calma, eu adormecia. Aquela beleza e silêncio eram por vezes inspiradores, e eu poetizava sem preocupação de esconder ou publicar. O objetivo era trazer para fora de mim algo que me sufocava: amor sem dono, sentimento sem rumo, saudade não sei do quê, melancolia e solidão. Uma solidão quase celebrativa, pois era de paz com o mundo e com os braços acolhedores daquele espaço harmonioso que se confundia comigo.
Uma música do padre Zezinho também me reporta àquele tempo: “Minha casa é uma casa pequenina, cabem cinco, mas abriga muito mais...” Ela era acolhedora, pois também se confundia com minha mãe, ela era divertida, quando se confundia com meu pai. Tudo passou como tudo passa. É bom contar esta história, porque as histórias mudam, as pessoas mudam e os sentimentos, que também mudam, são vividos ou suportados pelas mesmas pessoas, de forma diferente.
Meu porto seguro hoje é minha fé, são minhas responsabilidades, são as pessoas para as quais me sinto importante. Meu refugio é onde quer que eu esteja e precise fazer um balanço da vida para tomar decisões que serão muito mais em beneficio dos outros do que de mim mesma, embora também me preocupe com minha saúde para meu próprio bem estar e também para melhor cuidar dos que precisam de mim.
Minha solidão é mais doída, menos tranqüila, mas muito mais fácil de ser canalizada para outras direções: para a oração, o trabalho, a participação em grupos, etc.
Na minha nova casa eu também tenho um jardim, pouco regado. Só agora por um tempo. Eu me despeço dele toda semana e quando volto tem uma planta, a menos, um galho a menos, uma flor a menos. Está acontecendo com ele o que acontece com os sentimentos que não são cuidados: cada dia vão morrendo um pouco, até restar apenas um coração vazio e solitário. Isso é tudo. A vida caminha e as alegrias e tristezas, decepções e angústias são livremente absorvidas e imediatamente selecionadas, cada uma em seu lugar, servindo de lições. Essa é a vantagem de se atingir a “melhor idade”, com fé em Deus e a vontade de viver, para ser útil, para fazer alguém feliz com a simples certeza de sua existência. É assim que eu me sinto e me jogo nos braços do Criador, sem nenhuma dúvida de que serei acolhida, muito mais do que eu me sentia naquela casa, pois eu não preciso viajar para um lugar determinado. Eu me sinto abraçada e acolhida, onde quer que eu esteja.
Sinto saudade da casa, como sinto saudade de um tempo que se foi: um tempo bom da minha infância, adolescência e juventude; dos meus sonhos embalados ao luar das noites de insônia intermináveis que transformavam os dias mais bonitos e radiantes.
Gostaria de ter escrito quase tudo que Vinícius de Moraes escreveu. Como ele já fez, eu não preciso imitá-lo, basta citar e acreditar que alguém lerá pensando em mim: “Se eu morrer antes de você faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado. Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão. Se me elogiarem demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me. Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo. Se falarem mais de mim do que de Jesus Cristo, chame a atenção deles. Se sentir saudade e quiser falar comigo, fale com Jesus e eu ouvirei. Espero estar com Ele o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase : ' Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus !' Aí, então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele. E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai, aí, sem nenhum véu a separar a gente, vamos viver, em Deus, a amizade que aqui nos preparou para Ele. Você acredita nessas coisas ? Sim??? Então ore para que nós dois vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito. Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo. Eu não vou estranhar o céu . . . Sabe porque ? Porque... Ser seu amigo já é um pedaço dele!”
Porque...Ser sua mãe... Ser sua amiga... Ser sua... São tantos os motivos para completar esta ultima frase que vou deixar as reticências e cada um sinta-se incluído no meu céu da forma que for conveniente. Eu não saberia fazer um pedido tão completo e personalizado, mas só em admirá-lo já é uma forma de conhecer a beleza do coração de um poeta que tanto reflete amor e amizade.
Em nome do amor e da amizade, muitas coisas podem ser compreendidas, por isso entrego a estes sentimentos em ações criadoras de laços marcantes e definitivos: o mais profundo do meu pensamento em forma de palavras e expressões que buscam: em mim mesma e em cada um dos meus amigos (a) aquele jeito especial de viver e aceitar, tentando transformar, nós e a sociedade num espaço harmonioso e acolhedor.