sábado, 2 de junho de 2007

Parada forçada - Maria Lúcia


Quando iniciei escrever minha trajetória de vida com minha família, jamais imaginava que viveria momentos que estou a viver , mesmo porque queria apenas registrar a saudade de meus pais e o exemplo de vida que eles me deixaram. Mas resolvi acrescentar este relato. Tenho tempo disponível para tal. Um tempo que chamo de “parada forçada”. Não planejei parar minhas atividades por tanto tempo. Tomei uma decisão que me levou a isso. Acreditei na sorte, aliás, acredito. Esta parada está sendo muito mais positiva do que negativa, pois em cada dia que passa encontro mais motivos para acreditar na providência divina. Tudo na vida tem sua importância. Quando atarefada de trabalho, não conseguia enxergar. Talvez pareça isso mais uma de minhas loucuras. Mas foi preciso um intervalo, um tempo maior para a oração e a reflexão, para que tudo ficasse claro em minha mente, em relação ao meu modo de ver as coisas e as situações de convivência e aceitação das pessoas importantes para mim, com suas limitações. Entender, tentar ver o óbvio pela teoria do que sei, foi sempre minha direção. Mas nunca tinha nascido dentro de mim esse milagre tão desejado: o sabor doce do perdão, do abraço sem cobrança, do olhar sem reservas, da amizade numa situação quase perfeita e harmoniosa, aceitar o que não pode ser mudado, e ver principalmente em mim o que precisa ser mudado. Sempre achamos uma desculpa, ou culpa do outro, para não aplicarmos o que sabemos na teoria. Isso é mais comum do que parece. Para mudar nosso modo de agir diante de situações e pessoas com as quais não concordamos é preciso muito mais que saber o que fazer, pois, o como fazer é mais eficaz e requer tempo, força de vontade e, acima de tudo, estar disposto a anular-se, mesmo sabendo a forma “certa”, para deixar que prevaleça a opinião do outro e a sua participação.
Estou vivendo tal momento: deixar “minha certeza”, ser questionada. Ouvindo mais o que Deus tem a me falar através de gestos, acontecimentos e situações. E já ouvi muito. Os momentos de oração e de escuta são verdadeiros retiros espirituais, que esse “tempo” vem me proporcionando. Quase não tenho sonhado ou planejado o dia de amanhã, como era meu costume. Durante muito tempo percorri caminhos sonhados e planejados detalhadamente. Eu sabia para onde ia e o que me aguardava. Isso era bom, pois tinha segurança. Até que ponto é bom ter segurança! Acredito que nos tornamos muito cépticos, como se fôssemos donos do nosso destino. Dou graças a Deus por esta oportunidade, pois eu estava me tornando, sem perceber, alguém muito materialista, com um discurso voltado aos valores aprendidos e uma prática encaminhada para valores existenciais, absorvidos pelas orientações sociais contemporâneas.
Apesar dos momentos de angústia e medo, está sendo especial este acontecimento: ficar sem trabalho, sem saber como vou pagar minhas dívidas amanhã é desesperador aparentemente, mas animador, quando nos colocamos diante da Providência divina e confiamos que tudo se resolverá, porque Deus não nos abandona. É em situações assim que provamos a nós mesmos a fé que temos. Aquela certeza do que ainda não aconteceu e que será de acordo com nossas expectativas, a partir do que acreditamos, apesar de nossas limitações.
Parar no meio de um caminho que precisa ser percorrido, porque outras pessoas que nos acompanham precisam chegar em segurança a algum lugar, e ser preciso interromper a caminhada, nos faz, de certa forma, sentir a fragilidade das criaturas, diante da grandeza do Criador. Tudo que conquistamos parece tão insignificante pela ótica existencial e tão valiosa, quando olhamos através do olhar espiritual. Tudo que vale a pena ter conquistado está relacionado ao nosso caráter, à nossa capacidade de ser “um ser humano”, diferente das outras criaturas de Deus. Capacidade de discernir o bem e o mal e escolher de acordo com nossas experiências e crenças a direção a ser seguida.
Valeu por muitos motivos, os já citados e também as experiências de estar à mercê das decisões de outras pessoas que, de certa forma, estão com nosso destino em suas mãos e que não fazem nada para acelerar o processo de ajuda. Pude perceber como as tarefas e a corrida destas pessoas por seus próprios interesses, passam por cima da carência dos outros, sem pelo menos demonstrar uma preocupação em relação às necessidades que possam estar atravessando, e o sofrimento angustiante da falta de subsídios para sua própria sobrevivência. O respeito e o compromisso com à pessoa que espera uma decisão, de trabalho, por exemplo, meu caso, deixa bem claro a necessidade de tantas pessoas de olhar um pouco em volta e colocar-se, só um pouquinho, no lugar de alguém que passa por dificuldades, para perceber a semelhança que nos une como seres humanos.
Graças a Deus não tenho mágoas. Tenho um imenso desejo de ser uma pessoa melhor e não fazer, quando depender de mim, alguém passar pelo que passei, nesta parada forçada. Embora tenha aprendido muito com ela, foi muito difícil suportar, principalmente as cobranças de terceiros e os momentos de sentimento de fracasso e insensatez.

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