sábado, 2 de junho de 2007

Resgate das últimas lembranças. Homenagem aos filhos ilustres por ocasião dos 25 anos de emancipação do município de Cruz.


Antônio José dos Santos, ou Antônio Pedro, (1916 – 2009) como era conhecido por muitos, tinha tudo para ser um homem comum, como tantos outros filhos desta terra que também o amavam. Mas ele quis mais, e por ser poeta ficou imortalizado.
Os poetas não morrem, ficam na memória através das poesias que cantam e encantam, nas demonstrações de carinho pelas coisas amadas, razão de ser dos poetas, pois só eles sabem revelar sem muito alarde o que há de mais belo no ser humano.
Tamarineira Velha Amiga, poesia em canção onde faz uma homenagem singela a este pequeno símbolo histórico de nossa cidade, onde ele se mistura ao seu crescimento, e fala da saudade de outro tempo.
Meu amigo cajueiro, Recordação do passado, As recordações de minha infâncias e tantas outras poesias que demonstram seu amor pela natureza, pela vida simples de sua infância, pelos seus pais e familiares.
As histórias de acontecimentos marcantes com pessoas estimadas, como o romance do acidente com o Pe. Valderi, marcaram seu repertório de poemas: As homenagens a São Francisco e aos amigos e familiares; as viagens, as lembranças, a solidão, que deu origem a muitas canções melancólicas e saudosas para sua esposa, depois de seu falecimento. Assim, Minha Viuvez sofrida, Canção de amor e saudade. Meus Quatro anos sozinho, etc. Em todas elas lamenta, sem revolta, a falta de sua companheira, esposa e amiga.
Saudade era sua inspiração: da terra onde nascera; da infância, dos amores, da casa onde vivera e criara a família, sobre esta última, escreveu seu ultimo poema completo: Saudade de minha casinha.
Ainda sinto sua presença no meio da multidão, como se seu olhar me seguisse, hoje especialmente. Parece que ouço até sua voz a dizer-me: “Estou feliz por ser lembrado”.
A saudade e a sensibilidade de meu pai transformavam-se muitas vezes em inspiração. As lágrimas que vinham e voltavam traziam consigo doces lembranças em palavras poetizadas com simplicidade. Estava completando dez anos que a mamãe havia partido, mais ou menos sete anos que saíra de sua antiga morada, quando entre uma dor e outra, já aos 91 anos de idade, ele descreveu uma pequena parte do ambiente objetivo de sua casa, com subjetividade, num tom de saudosas recordações. Era setembro de 2007. Naquele ano ele não poderia participar da Festa de são Francisco, um dos momentos mais esperado por ele durante o ano. Suas pernas estavam fracas e sua saúde mais frágil. Durante o dia ele ia e vinha com sua bengala da sala para a cozinha, de vez em quando me perguntando o significado de algumas palavras, como sempre fazia quando estava compondo. Á tardinha, quando cheguei do trabalho, ele já estava cantarolando: “Deixei a minha casinha como fosse um maribondo...” Daí então os dias foram decisivos para compor o restante do poema e pedir para escrever e gravar, com sua voz sua última composição completa, pois todos os dias ele começava e não prosseguia, devido seu problema de saúde, alguns trechos de sua história, em versos que não teve tempo de terminar, ou mesmo registrar.
Transcrevo aqui sua última poesia: “Saudade de minha casinha.”

Deixei a minha casinha
Como fosse um maribondo
Que deixa a casa sem dono
Por causa de uma fumacinha.
Um belo dia á tardinha
Saí, vim para a cidade
Mas não era de vontade
Que deixei minha guarida
O amor de minha vida
Parti deixando saudade.

Deixei minhas laranjeiras
Muito bonitas e floradas
O cântico da passarada
Nelas e também nas mangueiras
Ao lado um pé de roseira
De frente a uma janela
Era Zelada por aquela
Que me ofertava uma flor
Saudade do meu amor
Que ainda choro por ela.

Bem na frente do portão
Tem um pé de espirradeira
Cinco pés de laranjeiras
E um carnaubeirão
Vizinho a um pé de limão
Dois pés de siriguela
Vizinho a outra cancela
Tem um pé de acerola
E dois pés de graviola
E uma pitangueira amarela.

Um torceirão de bananeira
Nas águas de um banheiro
Ao lado um pé de coqueiro
Em frente a mesma roseira
Aquela flor que tanto cheira
E nós dois lá na janela
Naquela manhã tão bela
Só nós dois dialogando
O tempo ia passando
Só a flor e eu e ela.

Passava horas e horas
Em uma área sentado
Com são Francisco ao meu lado
Do outro a minha senhora
Olhando aquela flora
Os beijas-flor voando
De flor em flores beijando
Só me recordo em lembranças
Um coração de criança
Que fica em mim chorando.
Hoje com grande saudade poetizo também sua inspiração. Em nome de toda minha família dedico este momento ao meu pai que não está mais presente fisicamente, ao nosso lado. Pequena homenagem dos filhos de Cruz a um membro desta cidade, apaixonado pela vida.



Pai, ainda não sou poeta
Sou apenas sua herdeira
E de alguma maneira
Teus passos estou seguindo
De vez em quando caindo
Mas me levanto a seguir
Pois me ensinaste servir
Sem recompensa urgente
Meu caminho está carente
Porque não estás aqui.

Este momento é seu
Que ficou imortalizado
Como havia esperado
Deus concedeu-lhe esta graça
Pois o que é bom não passa
Fica sempre na memória
Registrado para a história
Como exemplo de valores
Transformados em amores
Vivendo agora na glória.


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