A vida nos proporciona, entre tantos acontecimentos que nos parecem sem importância, ganhos e perdas que muitas vezes se confundem. O que parece óbvio como ganho, às vezes, é perda, e vice versa.
Minha maior perda foi quando, aos oito meses de gestação, senti um pequeno desconforto, e quando cheguei ao hospital foi constatado que meu filho não estava vivo dentro de mim. Eu não acreditei, e durante aqueles cinco dias que se seguiram até ser operada e ter visto meu pequeno filhinho, sem vida, diante de meus olhos, foi que percebi que era verdade. O sofrimento de antes parecia menor pelo fio de esperança que me conduzia. Lembro-me das noites de insônia, sozinha, pensando em tudo o que tinha acontecido, em parte agradecendo a Deus pela oportunidade de estar viva e poder continuar com meu primeiro filho, o qual, na época, tinha apenas quatro aninhos, razão dos meus pedidos à Deus para continuar vivendo. Foi tudo muito complicado pela falta de dinheiro, e de atenção de profissionais que me atenderam. Preciso registrar a importância do profissionalismo e do respeito ao ser humano, dos qual tive o privilégio de ser beneficiada, depois de experimentar o contrário. Passei, desde quarta-feira até domingo à noite, quase sem atendimento: eles me deixaram sozinha em um compartimento pequeno. Só de vez em quando alguém vinha me ver. Ver se eu ainda estava viva, acho, Somente na noite de sábado resolveram aplicar um soro que me fazia sentir dores e dilatação para ver se eu conseguia ter aquele natimorto de forma natural. Não deu certo. E eu fiquei assim, sentindo dores, até domingo pelas sete horas da noite quando chegou o médico que me atendera quando fiquei internada. Ele estranhou de eu ainda estar lá, e mandou preparar imediatamente a sala de cirurgia para que eu fosse operada. Os outros médicos que estavam no plantão não queriam aceitar. Dentre outras das conversas que ouvi, um deles afirmou que não adiantava, pois eu morreria de qualquer maneira, já que o feto já estava em decomposição e a infecção era certa. Eu esqueço estas palavras: do médico Dr. Mouro: “Eu quero tentar”, (em seguida, chegou perto de mim, perguntando-me se eu estava disposta a correr o “risco de viver ou morrer”). Mesmo muito confusa eu disse que estava nas mãos de Deus e ele fizesse o que fosse de sua vontade. Neste momento, veio-me um pouco de consciência sobre a real situação, então acabei pronunciando esta prece, em voz alta: “Por favor, meu Deus me deixa voltar para casa e cuidar do meu outro filho. Ele precisa muito de mim!”. Senti a emoção nos olhos do Dr. Mauro, enquanto providenciava tudo que era necessário para a cirurgia. Conduziram-me para o Centro Cirúrgico, e lá continuei rezando em voz baixa durante todo procedimento. Procurava não sair de mim, tinha medo de não voltar mais. Fiz um esforço muito grande para não dormir, tentei pensar em meu filho que estava em casa. Pedi à alma da madrinha Chiquinha (já falei dela), nossa segunda mãe, que já havia falecido, há muitos anos. Senti a presença dela junto de mim, segurando a minha mão. Neste momento, não tive mais dúvidas: eu ia viver eu que não estava sozinha. Ouvi o médico dizer que eu não estava mais viva. Senti os outros médicos me reanimando e tentando abrir meus olhos. Então ouvi um deles dizer: “Você teve uma hemorragia muito forte, retiramos o seu útero para lhe salvar”. Abri os olhos sonolentos, e uma enfermeira diante de mim, mostrando-me, todo enroladinho, o corpinho de meu filho.
De tantas coisas que não consigo esquecer uma delas foi a emoção do Dr Mauro, quando me trouxeram para o CTI. Enquanto as enfermeiras me aplicavam sangue e mais alguns medicamentos por causa da minha situação, ele chorava ao meu lado. Lembro-me bem das suas palavras: “Deus lhe deixou viver, você nasceu de novo, está sem nenhuma infecção, capaz de se recuperar”. Eu quase não entendi no momento o que ele estava dizendo, não pude lhe agradecer, estava muito fraca, sem ânimo, sem forças, ouvia tudo como se fosse um sonho. Só depois fui juntando as peças e definindo o que era realidade e o que era sonho, naquele episódio. Até hoje rezo pelo Dr. Mauro, por sua coragem e profissionalismo, por seu amor à vida de quem ele nem mesmo sabia de onde vinha, ou quem era. "Eu era só um ser humano", para os outros médicos. Para ele eu era "o único ser humano" que precisava de sua capacidade profissional. Percebi a diferença que existe, para determinadas pessoas ao ouvirem quase as mesmas palavras. Em alguns contextos e em alguns corações, as palavras podem ter significados opostos, e faz em toda a diferença em relação a valorização, ou não, da pessoa do outro. Este, independente de quem seja, é digno de respeito e atenção simplesmente por “humano".
Outras perdas se seguiram, das quais, algumas não vala pena registrar. E tantas outras! Depois de certo tempo, como já disse, tornaram-se experiências de vida, portanto ganhos. Neste momento, a maior delas, essa que citei. Na verdade se fosse contar tudo o que passei em todos os aspectos da minha vida, a partir desta mesma época, ocuparia muitas páginas e algumas lágrimas viriam
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