sábado, 2 de junho de 2007

Uma história de amor -Maria Lúcia


A história de amor dos meus pais é uma das mais belas histórias de amor. Sendo eu a filha mais nova, só soube os detalhes, quando meu pai já estava morando comigo, uns três anos antes de sua partida. Um dia, conversando com ele para escrever sua biografia, por ocasião do lançamento do seu livro, perguntei sobre sua aproximação com a mamãe, e ele relatou uma linda história de amor à primeira vista. (Esse fato está em sua biografia que vem aqui, em anexo).
Não foi uma vida fácil para aquela inexperiente jovem de dezessete anos conviver com um jovem de vinte e dois. Papai era muito mimado e aventureiro; mamãe muito consciente, firme e segura. Esses adjetivos contraditórios entre os dois formaram uma história com traços antagônicos, mas de comprometimento, com o casamento como bênção de Deus levada a sério, cada um ao seu modo. Alguém, equivocadamente, ainda hoje, diz que ela foi acomodada e masoquista, mas ela foi feliz. Enquanto muitos pensavam que ela era conduzida, ela era quem conduzia. E não “sofria”, como muitos pensam, pois ela sabia o que estava fazendo. Suas certezas aprendidas na Palavra de Deus eram suficientes para transformar qualquer sentimento ruim em atos de amor, coisa que os medicamentos não conseguem. Sua firmeza ensinou a ele a ser um pai presente e carinhoso, merecedor de respeito e admiração por todos os filhos que aprendiam no dia a dia, a aceitá-lo com seus defeitos e amá-lo além deles, sem saber por quê. A única coisa que sei, hoje, é que mamãe nos ensinava a sermos assim, quase sem palavras, muito mais com gestos e atitudes de amor e compreensão.
A vida seguia seu curso. Enquanto muitos o criticavam, lá no seio familiar, éramos felizes. Sabíamos das conversas e dos ensinamentos que mamãe, nas horas oportunas, o fazia ouvir, sem que a nossa paz fosse comprometida. Ele talvez tenha reconhecido muito mais tarde, que essas atitudes o tornaram o homem que ele era, pois mesmo carinhoso e admirador da esposa, não deixou, por muitos anos, seu estilo aventureiro. Nas canções que escreveu cito uma estrofe de uma das que ele fez para ela, demonstrando a certeza do que ela foi para ele como esposa e mãe:
(…)
Tínhamos boa união
De amor entre casais
Bem querer e uns bons pais
Tinha amor no coração
Também boa união
Dentro da sociedade
Amando a Deus de verdade
Os filhos ela ensinou
E quando morreu deixou
Recordações e saudade.
(…)
Presenciei os últimos nove anos de sua vida, Deus me colocou ao lado dele, por motivos não planejados, apenas acontecidos, mais um destes truques do amor que acontecem pela vida a fora. Juntos, em conversas e silêncios, pude conhecer melhor a pessoa esperançosa e obstinada que ele era. Com aquela tranqüilidade de homem simples, via as pessoas que gostava como capazes de lhe servir, sem perceber muitas vezes, a vida agitada que cada um levava. Dizia que não precisava de correria, pois tudo se conseguia com calma. Mas ele queria tudo com pressa.
A solidão do papai sempre foi preenchida com a criação de poesias, lembranças da infância, da juventude e da vida feliz conosco e com mamãe. Gostava de cantar seus “versos”, como ele dizia, à tardinha, esperando a hora da ave-maria. Então quando as luzes da rua acendiam que recitava em voz alta “O Anjo do Senhor anunciou a Maria...” e depois silenciava em suas orações e conversas com Maria e Jesus. Estas atitudes estão marcadas em minha mente como uma certeza de que seu medo da morte não era ausência de fé, mas um grande desejo de estar conosco, com as pessoas que ele amava, com as coisas que gostava de fazer, com a natureza que o inspirava para poetizar, por mais tempo.
Um de seus poemas, intitulado “Recém-nascido” deixa bem claro estes sentimentos que o levavam a amar a vida.
Eu nasci lá no Retiro
As quatro da madrugada
Ao romper da alvorada
Dei o primeiro suspiro
Sentindo a flor do lírio
Que beijava um colibri
A assistente disse: eu vi
Que ele nasceu chorando
Eu hei de morrer cantando
Já que chorando nasci.”

Retiro a Minha terra
Onde eu nasci e me criei
orgulho da minha grei
Aonde a ovelha berra
Lá é ilha não é serra
Meus pais em sua Guarida
O amor da minha vida
Que me zelaram em criança
Hoje só tenho a lembrança
De papai e mamãe querida.

Adeus terra onde eu nasci
De lindos carnaubais
Que ali vem de canais
Onde canta o juriti
Os pássaros vão divertir
Pertinho da marambaia
Que também canta a jandaia
Chamando seus companheiros
Que ali encanta o veleiro
Lá no coqueiral da praia

Depois no Belém cheguei
Onde morei toda a vida
Lá foi minha preferida
Que no Belém encontrei
E com ela me casei
Passamos a lua de mel
Pois era um anjo fiel
Que pra mim foi um encanto
ra Antônio José dos Santos
Maria veio foi do céu.
Ouvi muitas vezes o som desta canção com voz murmurada: como quem voltava no tempo e trazia para aquele momento tão particular o sabor de momentos felizes. A Sua “preferida” que havia deixado saudade com sabor de solidão.
Senti muitas vezes a presença da mamãe como o acalentá-lo, e ao mesmo tempo a me dizer que continuasse ao seu lado, mesmo do meu jeito, sem muita disponibilidade, mas com um desejo muito grande de ser útil, ajudando-o a enfrentar esta fase da sua vida sem que ele se sentisse um peso ou um hóspede em minha casa, mas sim o “papai” de minha família.
Os acontecimentos que parecem comuns, em outros momentos apresentam-se como raros e cheios de ensinamentos. É assim que classifico alguns destes momentos com meus pais.
Com minha mãe, tive muitas conversas de mãe e filha, nos finais de semana, quando estudava fora. Ela vinha algumas vezes para que eu fosse com ela, e na estrada que nos conduzia para casa, tínhamos longas conversas: falava-lhe dos meus sonhos, dos meus “paqueras”, dos meus medos de não me levarem a sério por não morar com meus pais. Ela me ouvia e me aconselhava como eu devia agir. Sei que, às vezes, eu falava coisas que ela não entendia muito bem, devido seu jeito simples e sua distância das evoluções das quais eu experimentava. Mas ouvia com paciência e interferia quando era oportuno.
Por ser a mais nova de suas filhas, fui muito tempo tratada como a “caçula”: não pode isso, não pode aquilo. No silêncio da minha vida de adolescente, sem outra irmã próxima à minha idade para conversar. Acostumei-me a viver muito só. Antes de sair de casa para estudar, ouvia mais do que falava. Minhas irmãs mais velhas se divertiam e segredavam assuntos dos quais eu não podia participar. Ficava triste e saia para o meu “canto de sonhos”, onde construía e desconstruía castelos.
Minha saída para enfrentar o mundo me transformou em alguém que além de ouvir, aprendeu a analisar as situações e dar seu ponto de vista. Diante das injustiças sociais, me posiciono, mesmo que para isso tenha que perder “privilégios”. Meu envolvimento nas Pastorais da igreja me fez conhecer melhor Jesus Cristo e ter experiências de amor com ele. Este crescimento na fé me faz feliz e ao mesmo tempo inquieta. Uma inquietude de quem gostaria de ensinar algo que aprendeu e que fortalece a fé de mais alguém; de fazer mais pelas pessoas injustiçadas; de amar mais e de um jeito melhor a todos.


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