sábado, 2 de junho de 2007

Minha real herança - Maria Lucia


Observando os problemas familiares atuais, posso constatar que vim de um lar, se não perfeito, mas com muitas qualidades. Minha mãe tinha uma fé inabalável e uma prática religiosa missionária. Não pertencia a nenhuma pastoral da igreja, destas que existem hoje, e que de algumas das quais faço parte. Mas; não conheci melhor catequista do que ela. Conseguia mostrar seu amor a Deus, sua humanidade divina, mesmo no silêncio. Admiro até hoje esta capacidade, pois ser missionária, de quem nós encontramos em outras realidades que não seja a nossa casa, é mais fácil. Porque não encontramos as pessoas, com todos os defeitos e qualidades como vemos no cotidiano de nossa família, e assim podemos ser mais eficientes definindo qual problema destas pessoas nos propomos a ajudar. A Mamãe fez missão dentro de casa. Além dos onze filhos e de alguns “meninos” que vinham para trabalhar e ficavam morando conosco, sua missão catequética se estendia primeiro, para meu pai, que não era mais que uma criança grande, e depois para a comunidade, onde prestava solidariedade para com doentes e enfermos, com orações na cabeceira até o momento final.
Suas orações, a leitura da Bíblia em voz alta quando estávamos por perto. As histórias de quase tudo que lia eram contadas: em algum momento oportuno a todos nós. Cresci ouvindo estas narrativas, principalmente de textos bíblicos, quase o único livro que tínhamos em casa, presente do pai dela, depois de alguns anos de casamento.
Meu pai sempre foi um grande sonhador, poeta espontâneo, brincalhão, boêmio e muito convencido do seu dom poético, queria a todo custo mostrar ao mundo esse dom, viveu desta esperança. Às vezes, para ser ouvido, envolvia-se com bebidas, e nos bares, se fazia ouvir pelos presentes. Teve pouca oportunidade de quem realmente gostaria, mas com muito custo publicou quase todos os seus escritos, aos oitenta e nove anos. Essa foi uma grande realização em sua vida.
Depois que minha mãe foi para o céu, ele ainda viveu onze anos de muita saudade e melancolia, porque sua mente foi ocupada com seus sentimentos poéticos, onde revelava, a cada dia, sua saudade e seu desejo de todos saberem deste amor que ele trazia no peito e que lhe fazia respirar e sonhar com uma vida longa, em poesias que brotavam de si como flores em solo fértil, quanto mais o tempo ia passando.
A expressão dos sentimentos leva o ser humano a caminhos pouco trilhados na modernidade, visto que nesta geração a fuga de si mesmo é cada vez mais propagada e associada a uma forma de vida em que muitos adeptos procuram engajar-se para aperfeiçoá-la.
Durante este meio século que já vivi, não foram poucas as transformações internas e externas que experimentei. Comecei a enfrentar o mundo depois dos vinte anos, quando comecei a estudar e trabalhar para manter meus estudos e minha estadia na pequena cidade mais próxima de minha casa. Ali trabalhava na casa de uma família que tinha uma confecção. dela que depois me tornei grande amiga. Estas mudanças nunca tiveram próximas de acompanhar o modismo de cada época, pois, os ensinamentos que recebi, e, que me eram lembrados todos os finais de semana quando ia para casa, davam-me suporte para definir o que era bom e o que não era para o propósito de vida que tinha em mente. Meus pais de alguma forma sabiam do mundo, às vezes eu não entendia, mas eles sabiam e sabiam muito bem, porque os valores que transmitiam estavam na verdadeira fonte de sabedoria, nos ensinamentos de Cristo, que eles cultivavam através das orações cotidianas e da prática religiosa.
São esses valores, tão fundamentais, que gostaria de deixar também como herança para meu filho. Pois sei, são importantes em todas as épocas, e em todos os momentos da vida.

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