sábado, 2 de junho de 2007

Voltando às origens - Maria Lúcia


Era uma casa simples: alpendre, salas grandes, quartos de dormir, cozinha com fogão de lenha e esteira estendida para as refeições. Tudo parecia tão familiar, e, ao mesmo tempo, tão comum para a época. Em todas as casas que freqüentávamos era assim.
As conversas giravam em torno dos assuntos do dia, com seus acontecimentos rotineiros. Havia um toque de esperança para o dia de amanhã: se o inverno ia ser de fartura, se as meninas e os meninos iam arranjar bom casamento, etc. E a frase depois de um suspiro: “Deus é quem sabe o que é melhor para nós. Estamos em suas mãos...”
Acreditava-se mesmo que era Deus quem provia, e esperava-se esta providência com paciência e certeza sempre de dias melhores.
Fui crescendo nestes moldes, ouvindo frases de esperanças num Deus misericordioso que é Pai e está ao lado de seus filhos, independente da ocasião, e de acordo com a necessidade.
Hoje tropeço, eu mesma, em barreiras cada vez mais obscuras, cuja presença desse Pai, que eu sei existir. Torna-se invisível e eu não consigo definir suas características e sua presença nos recantos onde sou jogada pelas adversidades que a vida oferece. Em algumas situações acabo esquecendo quem sou de onde vim e para onde estou caminhando. Sei que muitas vezes pareço “um peixe fora d'água” à medida que não me acostumo, ou tenho medo de me adaptar aos valares do mundo moderno, pois sei, muitos são contra valores que precisam ser revistos, reavaliados e transformados a partir de princípios éticos, morais e cristãos para que haja uma compreensão da necessidade, do respeito em todos os níveis, principalmente das pessoas humanas, mas com o outro e consigo próprio.
Visualizar meu passado a partir da saudade de meus pais de minha infância, não me torna alienada, mas sim, observadora de tantas realidades que negam alguns princípios que foram importante numa determinada época, mas que agora parecem desaparecer, e não devem desaparecer, pois são relíquias adaptáveis em qualquer momento da história da humanidade, porque dizem respeito ao que não passa. “Tudo passa, mas minhas palavras não passarão.” É disso que estou falando, das palavras que não passam, dos ensinamentos que seguem de geração em geração, e que muitas vezes pensamos estar livres dela para vivermos melhor, sem tais cobranças. Mas como diz o salmista: “...Para ficar longe do teu espírito, o que farei; para onde irei, não sei...” Não existe lugar longe do espírito de Deus se uma vez já experimentamos sua presença!
A vocação de filhos de Deus vai de encontro com a vocação de filhos de nossos pais biológicos. Em nenhuma relação, humana ou divina, estamos livres dos cuidados e da conquista.
Sendo a oitava filha mulher e a décima da filiação, percebi muito cedo que não podia relaxar. Havia sete mulheres vindas em minha frente. Elas prendiam a atenção de meus pais: com cuidados, repreensões, obrigações, etc. Eu estava no ultimo lugar: amada eu sei, mas era tão quieta que era esquecida em muitas ocasiões. Passei muito tempo no anonimato: observando, ouvindo, pensando... Queria tanto ser o centro das atenções, mas não era. Com o passar do tempo, mesmo do meu jeito, consegui ser enxergada e indispensável, talvez por ter chegado, quase por último, na vida deles, e, ter ficado também por último, presente na última etapa de suas vidas.
Às vezes, eu lamento sozinha: “A vida não é fácil mesmo, para mim. Até meus pais eu tive que conquistar”. Mas, depois eu reflito: será que todos os filhos conquistam o amor e a atenção de seus pais de forma positiva? Ou, simplesmente, vão vivendo sem perceberem se amam e são amados verdadeiramente?
Muitos deles, talvez guardando pequenas mágoas e se sentindo frustrados por nunca terem demonstrado amor e nem terem recebido retribuição. Amargados por coisas tão insignificantes que não vale a pena, depois que eles se vão, principalmente. Aquele nó na garganta e aquela impressão de não ter vivido tudo que poderia, de não ter dito tudo que gostaria. Quando as pessoas que amamos não estão mais conosco, os defeitos são, e devem ser apagados de nossa memória, pois o próprio Deus os acolhe em sua glória. Quem somos nós para julgá-los, se nós temos tantos defeitos e limitações como todo ser humano, e, seremos perdoados pelo mesmo Pai que é de todos.
Resgatar meus princípios familiares faz de mim uma eterna criança, cujo colo me falta, mas me sinto saciada pela experiência do calor deste colo, das lágrimas inocentes que rolaram e foram secadas com carinho. Estas lágrimas ainda teimam, e ainda, subjetivamente são acalentadas, pois a estrutura do alicerce é que sustenta as pequenas e grandes construções.
Sendo assim, sinto-me uma construção sólida, a pesar das fragilidades, a pesar da saudade, a pesar de não ser uma rocha.

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