sábado, 2 de junho de 2007

Quem disse que saudade é ruim?


Saudade é reverência ao passado, mas ao mesmo tempo é presente, pois revigora nossas forças e acalma de forma doce e pura a ausência /presença das pessoas queridas dentro de nós.
Reviver as lembranças, através de objetos, músicas ou perfume de alguém que se foi, é sentir novamente a presença, numa outra dimensão. Dimensão que só experimentada pelos que verdadeiramente amam e acreditam na existência sobrenatural do amor.
Naquele momento da partida das pessoas queridas, com todas as lágrimas da saudade que fica, há sempre no fundo do coração o agradecimento e a comemoração silenciosa por termos feito parte da vida daquela pessoa, com sua interferência tão positiva para nossas escolhas futuras.
Na visão moderna, de atitudes cada vez mais lógicas e superficiais, a felicidade muitas vezes é confundida com momentos de prazer. O espaço para sentimentos de valores aparentemente sem importância, dentro dos princípios contemporâneos, fica cada vez menor. Pessoas que tentem vivenciá-los são vistos como lunáticos ou mesmo loucos. Temos muitos discursos, livros, projetos, resultados de pesquisas, e outros textos comprovando a importância de uma vida mais amena, sem ansiedade, nem grandes preocupações com o futuro. Psicólogos, psicoterapeutas e teólogos, na sua maioria, tentam ensinar com teorias o que Jesus Cristo ensinou com poucas palavras, e vivência, principalmente. “Não andeis ansiosos pelo dia de amanhã... Basta a cada dia o seu próprio mal...” Todo capítulo 6 do Evangelho de Mateus nos remete a uma forma de vida diferente dos padrões capitalistas, mas em acordo com os ideais pregados dentro deste mesmo sistema por profissionais da saúde, estes comprovam cientificamente que a maioria das doenças desta geração é oriunda da ansiedade e da angústia pelo “ter”, pois quer ser valorizada dentro do contexto social a que pertence.
Estes paradoxos nunca poderão ser definidos sem a coerência entre ensinamento e prática, o que fica impossibilitado diante da falta de conhecimento e experiência pessoal de cada criatura com o seu Criador. Cristo, em sua história, deixou escrita a “Constituição” a ser seguida por todo ser humano. Aqui sua forma de viver se confunde com sua pedagogia de ensinar missão a que estava destinado fazer como o “enviado de Deus”. Só que seu “Sim” foi mais importante do que seu destino.
É da ternura, da saudade, da coragem de admitir estes sentimentos, tão pouco propagados, que falo: de coisas pequenas que nos levam à saúde física e mental, conduzindo-nos para a observação de nossas necessidades espirituais, pois não podemos fugir da nossa vocação de filhos especiais de Deus, já que “feitos à sua imagem e semelhança”.
A herança que recebi de meus pais traduz esta certeza, sobre a qual poucas vezes me reporto. Acho a vida tão enigmática! Tão preciosa! Mas às vezes tratada com tanta vulgaridade. E no vai e vem do cotidiano, nossa fragilidade de ser humano aflora. Mesmo sabendo a verdade, deixamos para vivê-la depois. Quem sabe, outro dia teremos tempo de aplicá-la em nossa vida. Enquanto isso: deixamos a vida nos levar e às vezes tropeçamos pela falta de uma direção correta e de uma condução acertada.
Diante das ocorrências do dia a dia, das dificuldades de educar, principalmente as filhas, mamãe repetia alguns provérbios populares ou bíblicos. Dentre eles, lembro-me muito desse: “Te junta a um bom, que serás um deles; te junta a um ruim que se tornará pior do que ele”. E tantos outros. Como boa leitora, algumas vezes copiava textos interessantes. Outro dia, encontrei uma cadernetinha escrita por ela. Entre outras mensagens destaco esta que ilustra bem este capítulo, onde saudade é sinônimo de continuidade, daquilo se vive em família:
Feliz de quem quando o no termina, possui um doce e acolhedor abrigo, a companheira, os filhos, a avó tão rara.
Ou mesmo amigos, com quem possa se reunir em Cristo. E a vida interior, desperta, viva dentro de si. Uma alma de São Francisco; o amor generoso; o heroísmo estranho de beijar um leproso. E lembrar-se de que há no mundo, criaturas de Deus, sem um Natal, sem a companheira e sem a avó tão rara; sem o beijo da mãe ou um beijo de filho; e até sem um livro que substitui o amigo.
Feliz quem quando o ano termina, pode ver estrelas no céu e tem olhos ainda para encontrar Jesus...”
Estas são lições que tornam alguém presente em nossa vida, mesmo estando em outra dimensão. Somos capazes de enxergá-las nas ocasiões em que aplicamos coisas importantes aprendidas com estas pessoas. Esse tipo de saudade é alento e certeza de que somos amados e mamamos, sem reservas, nem limites de lugar, espaço e tempo.

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