sábado, 2 de junho de 2007

Tempo oportuno - Maria Lúcia


Tudo tem seu tempo e para cada coisa sua hora...”, como diz o livro do Eclesiastes (3, 1ss), embora estas coisas de esperar, ter calma e sonhar sonhos possíveis só aconteçam em certa altura da vida. A possibilidade de sonhar e realizar algo satisfatório no alto dos cinqüenta anos era coisa de lunáticos. Hoje, com tal idade, é cada vez mais comum encontrar pessoas buscando a realização profissional, pessoal e até amorosa. Uma mudança cultural ainda pega muita gente, de surpresa. Até mesmo os indivíduos em questão. Aquela frase: “Não posso mais por causa da idade” ainda é pronunciada, mas cada vez mais carregada de uma aparente dúvida, e às vezes da certeza de que ela esteja ultrapassada.
Quantas coisas importantes deixaram de ser feitas, quantos sonhos sufocados, quantas descobertas científicas... Quantas e tantas experiências que poderiam ter salvado vidas, e tornado o mundo melhor, morreram com seus idealizadores e descobridores, por causa da cultura popular de que “papagaio velho não aprende a falar”?!. O conformismo destas pessoas era e, ainda é, um ponto a ser discutido, pois muitos se anulam, simplesmente por concordarem que não são mais capazes.
Temos que rever esses conceitos, mesmo porque em muitas culturas as experiências dos mais velhos são contadas como ponto importante para a tomada de decisões na comunidade.
No Brasil, temos políticos, presidentes de grandes empresas, chefes de importantes cargos, etc. Isso é muito comum, mas quando se fala em trabalho, carreira profissional, formação acadêmica, participação social, para pessoas comuns, surge sempre alguém disposto a repetir aquela velha frase: “Ele (a) passou da idade, para que começar a essa altura da vida?!”
Mas, se observarmos bem o que é o tempo para cada pessoa, vamos descobrir que a ordem natural nem sempre é obedecida. Quantos jovens morrem lamentavelmente, em pleno limiar de suas realizações, fatalmente ou de forma violenta? Outros, por autodestruição? Crianças sem perspectivas, famílias sem recursos ou coragem de sonhar? Diante deste quadro, vale a pena, seja qual for o tempo, a idade ou o contexto social, buscar suas próprias realizações. Iluminar o mundo com ideias cada vez mais ousadas, vindas cada vez mais de pessoas humildes, como forma de resgatar, voz e vez para os que perderam a coragem de acreditar que tudo é possível, quando se busca com humildade e obstinação algo que possa despertar na humanidade um jeito novo de igualdade, aquela em que não importa a classe social, mas a condição de filhos do mesmo pai, que no seu jeito próprio de ser é capaz de não se sentir humilhado por certos contra valores que lhes impõem, pois esses só derrubam os orgulhosos que não se aceitam: são os “pobres ricos”, que terminam por se esconder, por causa de sua condição. Isso deixa bem claro que estão de acordo com a ideologia do capitalismo, “onde o valor da pessoa é medido pelo ‘ter’ e pelo ‘poder’.”
O tempo oportuno para todos nós é aquele quando nos encontramos dispostos a realizar nossos ideais, sem preocupação com a cronologia, datas, etc. Esse é meu lema: “Viver no tempo presente”, embora na certeza de que tudo passa. Como sabiamente escreve padre Antônio Vieira: Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas, que partem do centro da circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos que lhe armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e foge. A razão natural de toda essa diferença, é porque o tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto e bastam serem usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.”
Esta talvez não seja minha tese em relação ao amor e ao tempo, mas com certeza é um caso a pensar, e, nesta perspectiva, viver cada momento, aproveitando-o em suas diversas dimensões, enquanto não passa pelas peripécias do tempo. Isso parece ser uma antítese para quem gosta de sentir saudade e curtir as lembranças do passado, como eu. Mas não é. Lembrar não é ficar preso, preservar bons costumes, recordações que nos enobrecem, não é, apegar-se. É simplesmente viver o aprendizado, aprimorando-se e abrindo-se para novas experiências, a partir de uma base sólida que trazemos de herança, pois com toda tecnologia e mudanças de ordem global “...ainda somos os mesmos e vivemos, como os nossos pais...”
Ao contrario do poeta, essa não é “minha dor”, mas minha alegria. Ser fruto de uma árvore genealógica da qual posso ter conhecido os mais antigos descendentes, através de meus pais, é ter certeza mesmo que suas sementes jamais morrerão.

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