APRESENTAÇÃO
O interesse pela história é algo muito saudável. Em meus estudos acadêmicos, aprendi com os mestres que a sobrevivência de um povo depende em muito da oportunidade de ter ele quem narre para os outros as suas estórias, os fatos e acontecimentos que tecem, ao longo do tempo e dos lugares, o seu dia-a-dia cheio de relacionamentos em sociedade.
É preciso que alguém guarde para as futuras gerações, as lutas, as tristezas, as alegrias, os mitos, as crenças e as esperanças vivenciadas. Do contrário, será uma comunidade fadada a ficar sem memória e sem história. E sem cultura.
Com O TIMONEIRO DE CAJUEIRINHO, obra feita com dedicação e inteligência, o senhor Manoel Messias de Freitas, mais conhecido como Messias Marques, que me deu a honra de apresentá-la aos seus leitores, presta um inestimável serviço à população de Cajueirinho e, por extensão, às populações vizinhas, especialmente à população do município de Cruz, do qual Cajueirinho faz parte.
Com a publicação deste trabalho, o conhecimento sobre aquela comunidade tem agora nova dimensão. Com esta obra que foi, durante muito tempo, um desafio para o seu autor, se enriquece grandemente, e em todos os seus aspectos, o ainda muito insipiente acervo de anotações históricas sobre a vida daquela valorosa comunidade,
É bom salientar que O TIMONEIRO DE CAJUEIRINHO é obra de um autodidata. Ele mesmo, humildemente, assim se apresenta. O fato não tira dela o seu valor. Aumenta-lhe até o mérito.
Convém lembrar que o livro do ilustre conterrâneo não se restringe apenas a uma coleção de datas, de números ou estatísticas frias. O autor demonstra ter uma perspicácia notável para visualizar a natural evolução dos acontecimentos que narra, a ponto de ir logo percebendo os resultados que podem ser esperados. Seu “faro” pela história não pode ser negado por quem se der ao trabalho de percorrer, com olhar observador, todas as suas páginas, mesmo que, em algumas passagens, ocorram inevitáveis repetições ali apostas apenas para reforçar a importância do que foi lembrado.
Messias fala de uma história que é muito mais antiga, mas que, neste seu primeiro trabalho, teve início, praticamente, só por volta de 1870, quando chegaram a Cajueirinho seus primeiros habitantes fixos. Estes vieram para aqui estabelecer-se na criação de gado e no amanho da terra fértil. Suas fontes são orais. No entanto, escreve ele a partir de informantes certos, bem conhecedores dos fatos, pois foram seus protagonistas. Com eles e com seus descendentes, ele conviveu longamente, auscultando, quase com a curiosidade interrogadora de uma criança, os menores detalhes do dia-a-dia de famílias onde não faltava nem a convivência entre senhores e escravos.
Nascido em 1926, desde cedo até os dias atuais, quis o senhor Messias Marques mesmo se envolver nesta gratificante, embora difícil tarefa, de moldar uma comunidade humana, dando-lhe rumos na educação, na formação social, política e religiosa. Neste afã, não lhe foi impedimento a escassez de recursos, muito menos a fragilidade da saúde, a deficiência em uma das mãos e da visão, e a longevidade da vida. E disto dou testemunho para reconhecer seu forte espírito de luta aliado à capacidade de reflexão e de iniciativas saudáveis em todas as dimensões da vida em sociedade, características humanas que ornam a sua personalidade desde os mais tenros anos de sua infância.
Feita com o critério da verdade e do amor apaixonado pela terra que o viu nascer, esta obra literária será, daqui para frente, um texto de consulta obrigatória a quantos queiram conhecer melhor aquela região do município de Cruz.
Nela, a narração do autor se constitui um trabalho pioneiro, porquanto único até agora. Descreve não só os fatos acontecidos ao longo do tempo, mas também as peculiaridades do local nos aspectos da geografia física e humana, abrindo o conhecimento dos leitores para entender e explicar o espírito de religiosidade que marca as numerosas famílias ali residentes.
Neste sentido, seria muito útil que ao autor de O TIMONEIRO DE CAJUEIRINHO fosse dado tempo e oportunidade para recuar no tempo e pesquisar, ou seja, buscar as origens da vida cultural e especialmente da marcante religiosidade dos habitantes primeiros e atuais de Cajueirinho. E haveria de encontrá-las no tipo de colonização que marcou os primeiros colonizadores de toda a nossa região do Vale do Baixo Acaraú, ou seja, de Sobral até às praias de Acaraú, de onde, como nos está ensinando o trabalho de nosso historiador, vieram os primeiros que se assentaram na região, cuja história ele aqui tão bem narrou.
Na pesquisa, haveria, com certeza, agradáveis descobertas e interessantes dados a relatar, porquanto seria adentrar os meandros de uma civilização que estava nascendo, e que, ainda hoje, permanece, em muitos pontos, até com as cores de sua pureza primitiva.
Em sua nova investigação, ele iria encontrar que a história completa desta nossa querida região teve início nas primeiras décadas do século XVIII, portando, logo nos primeiros anos dos idos de 1700. Foi naqueles distantes tempos que os primeiros colonizadores vieram para cá. Vieram para as margens do rio Acaraú, local ideal para a fixação do homem, a fim de tomar conta das terras cedidas a eles pelos reis de Portugal. Para que as cultivassem. Pouco a pouco formaram a “raça” que constitui o povo de toda esta região Norte do Ceará.: “uma mistura que é fruto de cruzamentos sanguíneos de origem nobre misturados com índios que vagueavam pelas margens do velho rio Acaraú”.
Aqueles nossos antepassados trouxeram para cá não só a exploração dos terrenos tão férteis das margens do rio, os quais nos legaram como herança. Junto trouxeram também, e com ânimo civilizador, a fé cristã que ainda hoje molda o modo de ser de nossa gente.
Missionários católicos, como o fizeram em outros regiões e lugares, aqui os assistiam, e eles construíram logo pequenas capelas que se tornavam núcleos de desenvolvimento social à custa das levas de pessoas que para cá acorriam ávidas de alimentar sua confiança em Deus pelo batismo dos filhos, pela graça do sacramento para a união conjugal e pela educação dos filhos, processo social que ainda hoje fortalece e explica o crescimento de nossas pequenas cidades.
É mesmo neste evoluir cultural que Cajueirinho, cedo, foi agraciado com a firme decisão de um dos descendentes dos primeiros habitantes que transmitiu ao próprio autor da obra que apresento a sua vontade de expressar toda a religiosidade das famílias aqui residentes na construção de um templo religioso. Este hoje se alevanta como um dos marcos da fé da comunidade, sob a devoção à Nossa Senhora Aparecida, e que é, o templo mesmo, uma perene testemunha da força de vontade, da tenacidade e da liderança comunitária do senhor Messias Marques que o projetou e que, passo a passo, o acompanha na sua construção ainda em andamento.
Parabéns, senhor Manoel Messias de Freitas pela obra que sua operosa pessoa hoje lança. Possuindo agora um livro que retrata a sua história, o seu Cajueirinho, deixa, na expressão de um poeta, “de ser criança e adquire sua maioridade cívica”.
Cruz, 11 de outubro de 2008
Pe. Manoel Valdery da Rocha
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