sexta-feira, 1 de junho de 2007

Produções Literárias Cruzenses - Paulo Roberlando


CONTO QUE NÃO É CONTO



Já vi e vivi muitas coisas, sempre fui dado a materialismo, negando o empírico e o que não posso tocar. O abstrato pra mim nada mais é que regras de substantivos que enfeitam contos ou poesias sem nexo, mas que encantam por sua fantasia...


Pois bem, vi esse meu ceticismo desmoronar de uma forma tal, que ainda me pergunto se realmente passei por isso, a ponto de nunca dar tanto crédito a máxima “existem mais mistérios entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia”. Certa feita, como sempre fazia quando ao final do expediente me dirigia a minha casa, que distava dezesseis quilômetros do local de meu trabalho, localizada no Riacho São Miguel, zona rural do município vizinho, e sempre por volta das dezoitos horas, tomava o rumo por entre umas “veredas”, pouco transitáveis, onde eu evitava o asfalto e a estrada carroçável por querer sentir a solidão da viagem, para refletir e aspirar o cheiro do mato no crepúsculo da tarde. E quem sabe, com sorte, ver alguma raposa, animal que acho magnífico por seu porte garboso e elegante.


Foi então, que numa dessas tantas idas, onde sempre passava defronte da casa de uma velha senhora na pequena localidade de Santa Tereza, eu percebia que ela me olhava admirada e, assustada, entrava em casa quando me aproximava. Eu ficava intrigado com aquela situação, pois não tinha como evitar passar bem próximo a casa dela, posto que a estreita “vereda” tinha uma curva que circundava a área da pequena casa, e me estranhava a atitude da velha senhora entrando de casa adentro, numa correria, fechando a porta logo em seguida. Isso se repetiu umas cinco ou seis vezes. Não mais suportando a curiosidade, numa dessas noites, tentei falar com ela, mas qual o quê, ela não abriu a porta de forma alguma, pensei, quando voltar na manhã seguinte, pois sempre voltava pelo mesmo local, vou falar com ela, e assim o fiz...


No outro dia logo cedo, antes da seis, de longe avistei a velha senhora. Estava sentada no “peitori” do alpendre que servia também de casa de farinha, ela apesar dos anos que já lhe pesavam, me viu também de longe, e desta vez não esboçou nenhuma atitude que denotasse que ia entrar em casa e se fechar como fazia das vezes outras. Aproximei-me, dei-lhe bom dia, no que ela gentilmente respondeu me oferecendo uma caneca de café. Iniciei timidamente uma conversa e com receio de perguntar o por que de ela se esconder em casa quando eu por ali passava. Foi então que, antes que eu indagasse qualquer coisa, ela me perguntou, como que sabendo que era isso que eu queria saber, e, o que ela falou ainda hoje me da um calafrio na alma, perguntando dessa forma nestas palavras: “me diga uma coisa meu filho, quem é aquela moça que você todas as noites trás na sua garupa e, por que os cabelos dela são tão brancos como o vestido que ela usa. Porque pelo rosto dela eu vejo que ela ainda é nova, e não pode ter cabelos tão brancos e que brilham tanto”, no que retruquei sobressaltado: “como é que é senhora? Eu não trago ninguém comigo não, nem ontem trouxe” – “pois meu filho, ontem mesmo vi a moça” me respondeu ela...


Confesso que nunca em toda minha vida fiquei tão assustado. “Fique com medo não” disse-me bondosamente ela percebendo meu espanto, “estas coisas existem, se você nunca viu, é que não é pra ver mesmo não, mas eu vi, e ela estava na garupa de sua moto, sempre vejo, ela é bonita...” Não tive coragem de perguntar mais nada, sai sem nem mesmo me despedir, pois me faltava a voz, não coordenava os pensamentos, somente ficava imaginando o que tava acontecendo. Isso era realmente verdade? Por que uma velha senhora, já beirando os seus setenta anos, acho eu, teria que inventar isso, e com tanta clareza de detalhes...


No mesmo caminho, tinham mais duas outras casas, não muito distante uma da outra, onde parei em cada umas delas pra perguntar as pessoas que ali moravam se elas já tinham visto alguma vez, alguma coisa estranha, quando por ali eu passava todas as noites. Eles responderam que não. Só que na segunda casa, quando fiz a mesma pergunta e a senhora meio que desconfiada já me respondia que não, uma menininha de uns noves anos, falou que uma vez ela estava na janela da casa e viu uma mulher toda de branco, com os cabelos bem brancos, correndo, mas a mãe a menininha achando que era invenção dela, já foi repreendendo-a: “Deixa de conversa besta menina, tu ta doida, que que uma mulher dessa tava fazendo de noite, a pé, sozinha na estrada?” – “Foi sim mãe e vi, e ela sempre passa de moto aí”. Nessa hora eu gelei literalmente, realmente a Dona Maria Ventura, era o nome da velha senhora, não estava mentindo, eu estava transportando uma moça, e não via isso, e nem sentia sua presença... Nisso o meu primeiro pensamento foi, e agora, como vou fazer pra voltar à noite, não vou ter coragem, logo eu, que zombava de contos desta natureza, nunca acreditei, tampouco, tive medo.


Bom, o dia se passou, e como não podia ser diferente, a imagem que personifiquei da moça, de acordo com os relatos, não me saiam da cabeça. Dezoito horas, hora de voltar pra casa, e agora, o que eu ia fazer. Pedi pro meu irmão ir me deixar, alegando que estava com os olhos ardendo que não podia pilotar a moto, mas sem ter coragem de falar a verdade pra ele, pois sabia que ele ia me dizer: “Não era você que dizia que estas coisas não existem, taí, agora esta morrendo de medo.” – assim sendo, resolvi ficar calado. Atendendo ao meu pedido ele foi me deixar, mas por outra estrada, e assim foi umas outras duas ou três vezes, onde inventava uma coisa ou outra.


Passaram-se os dias, e fui me esquecendo da história, mas desde então, nunca mais havia andado pela “vereda” que passava pela casa da Dona Maria Ventura.


Um dia, uns dois anos depois, se não me falhe a memória, já esquecido da moça de branco, numa sexta-feira, fui convidado para um aniversário na localidade chamada de Córrego dos Alexandres. Então fui, por lá fiquei até as vinte uma ou vinte e duas horas, não me lembro, mas lembro de ter provado de umas belas caipirinhas. Terminada a festa, me despedi de todos, e fiquei pensando qual o melhor caminho pra eu ir embora, já cambaleante, escolhi o mais fácil, e esse, eu tinha que passar pelo caminho que levava à “vereda” da “aparição”, mas nem me recordava mais disso, e com umas sete caipirinhas que havia bebido, já com torpor, aí é que não me lembrava mais, e – se me lembra-se, com certeza ia zombar como sempre fazia, já que não tinha visto nada mesmo. Peguei a estrada, com a vista, que já não é grande coisa pela miopia, meio turva, e segui caminho.


Lembro bem, e o que lembro, não sei nem como descrever, na primeira curva que dava pra uma das casas que tinha visitado pra confirmar o relato da Dona Maria Ventura, vi um clarão prateado, e uma moça, linda, linda demais, com esvoaçantes cabelos brancos, tão brancos que mais pareciam azulados, sua roupa um vestido longo que brilhava no contrastando com o negro escuro da noite, de repente, como num flash de um relâmpago, que me ofuscou momentaneamente, desapareceu tão rápido como surgiu... Apavorado descontrolei o equilíbrio e a queda da moto na areia foi inevitável. Tonto, me levantei, tentando me recobrar e ao mesmo procurando aquela imagem, que não mais via... Não sei o que fiz, nem como cheguei em casa, nem mesmo sei direito se foi o efeito do álcool das caipirinhas. Não sei como aconteceu, somente sei que aconteceu...



Fevereiro/2009 Por: Paulo Roberlando

Nenhum comentário: