sexta-feira, 1 de junho de 2007

Produções Literárias Cruzenses - Paulo Roberlando



Nostalgia


Ontem, quando passava no “quadro da igreja” um impulso me fez parar, desligar o carro e ficar fitando a praça que não mais é a mesma, me revolvi em lembranças, tão bons pensamentos, que em um relance de cenas que de a muito pensava esquecidas, me vi novamente ali na mesma praça, lá pelos idos mil novecentos e oitenta, moleque calça curta, sem blusa, de baladeira na mão, catando pedras que tinha em grande quantidade no terreno de piçarra por trás da igreja, em frente à casa da Dona Zilá, e as mais redondinhas, pra um melhor tiro, ficavam exatamente à sobra do benjamim que não mais está lá, e no local hoje, somente uma horrenda cobertura de paralelepípedos sepulta o local das melhores pedras que era um segredo meu e do “Neguim do Zé Antonio”, outro arteiro moleque, bem mais do que eu, a quem devo umas duas ou três sovas que papai me deu...


A primeira delas que bem recordo, foi de uma vez que apostamos quem melhor era “acerteiro” na baladeira, e não foi que ele me convenceu a atirar nas luzes que eram dispostas por todo o pátio da Festa de São Francisco para iluminar a noite dos novenários! Pois bem, o “Neguim” que de besta nada tinha, apesar da tenra idade, era bem melhor que eu nos tiros, mas ele sabia que eu também era bom, e que da distancia que nos encontrávamos, defronte a casa da Dona Modesta, quase debaixo dos fios, de forma alguma eu erraria, então, ele propositadamente errou, mas eu não. Foi em cheio, um “papouco” só. Demos no pé, pra nossa já planejada rota de fuga, que seria pelos degraus da barragem e circundando o quintal da Ritona, pra nos escondermos no alto da velha oiticiqueira na margem da Grota, onde aproveitaríamos pra caçar algumas rolinhas sangue-de-boi, que ao cair da tarde vinham beber nas poças d’águas que restavam das cheias do inverno. Mas como sempre, era ele quem matava as bichinhas, pela boa pontaria que tinha, entretanto, fui eu quem quebrou a lâmpada da igreja.


Final da tarde, voltamos, pensando que ninguém sabia de nada, quer dizer eu imaginava... Tempos depois, já homens feitos, ele, Neguim, me confessou em meio à cínica risada que lhe era próprio, que tinha visto o Zé Fabião vindo da casa do Padre, antes de me fazer a proposta da aposta. Bem, então quando em casa cheguei, de longe vi o Seu Zé Fabião, com aquele jeitão moralista “enredando” pro papai o que eu tinha feito, no que a Dona Constancia, confirmou dizendo, “Foi verdade, eu vi da minha janela ele atirando a pedra e correndo pra ilha”. Papai foi logo gritando, e como era alto o grito dele! Pra dentro, que já já vou te esquentar o couro, e esquentou mesmo, foram umas quatro “cinturãozadas”... Ah Neguim danado, mas era assim mesmo, na manhã seguinte lá estava eu perguntando por ele a Dona Terezinha, sua mãe, e sempre ele me respondia, com a mesma indagação... “Que traquinagem vão fazer hoje?


Tempos bons aqueles, quantas saudades das mangueiras do Seu Orlando, do Velho Aderbal e a da Dona Constancia, que hoje, das três, a que ainda teima contra o tempo e a nova configuração do quadro da igreja, é a do Velho Aderbal... Bem lembro, das vezes quantas em que ficávamos atirando pedras nas suculentas mangas, e, ainda ouço ressoando no tempo, o Seu Orlando, brigando e pegando o surrado “uru” onde ficava o“chiquerador” nos botando pra correr, no que nos escondíamos na área da casa da Dona Elvira, pra de lá, irmos atacar a outra mangueira a do Velho Aderbal, e, bem me recordo, ele até deixava derrubarmos as mangas, desde quando não fossem as verdes nem as “de-vez”... Já na da Dona Constancia, a coisa era mais difícil, tínhamos que atirar pedras de longe, e quando derrubávamos o Seu Benedito Inês pegava primeiro do que nós, e ainda tínhamos que ouvir Dona Constancia ameaçando-nos de enredo pros nossos pais, e minha experiência com esses enredos não era das melhores, sempre sobrava pra mim...


Tempos felizes. Respiro fundo, e uma onda de saudosismo e nostalgia me percorre a alma, onde as imagens e os sons vão se indo, como que sendo arquivados novamente nos anais de minha vida, de minha infância querida, vivida tão intensamente, tão sadia, sem malícias nem os desvirtuamentos e nem os contra valores que as crianças de hoje são tão expostas. Desperto, e sinto uma leve lágrima que verte do que vivi, então ligo meu carro, me desconecto, me recobro e sigo minha vida, pensando... Será que minha Stephanie vai crescer tão feliz e saudável como eu cresci...


Por: Paulo Roberlando da Silva Ribeiro.

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