sexta-feira, 1 de junho de 2007
Calvário de Benedito Magalhães - Jaime Farias
Mesmo que aquela alegria
Entre a família reinasse
Parecia que a tristeza
Entre os mesmos se encontrasse
Que entre doença e velhice
Bem pouca esperança nasce
O hospital da cidade
Perto de onde ele morava
Sempre que lhe vinha crises
D. Neuma lhe levava
Porém a receita médica
Pouco resultado dava
Quando alguém lhe visitava
Ele dizia em verdade
Minha vida esta findada
Esperança é vaidade
Não houve em minha família
Quem chegasse a minha idade
Parecia ter vontade
Mesmo, de chegar ao fim
Como quem tinha cumprido
Sua missão boa ou ruim
Ou então por sentimento
De tristeza ou coisa assim
Aos quatro de janeiro
Ele muito aquebrantado
Já a dias não comia
Era grave o seu estado
Baixou ao hospital
Onde ficou internado
Foi diagnosticado
E o doutor que lhe assistia
Achou por bem confessar-lhe
Que o mal que lhe atingia
Só podia ser extinto
Através de cirurgia
O velho disse para o médico
Me desculpe lhe dizer
Se for preciso operar-me
Antes prefiro morrer
Em casa, na minha cama
Que o hospital sofrer
Mas Monsenhor José Edson
Sabendo do que ocorria
Junto com o Sr. Prefeito
E muitos amigos que havia
Convenceram então ao velho
Que aceitasse a cirurgia
Dr. Henrique, o seu médico
Lhe dava toda a atenção
Seu laudo afirmava, o velho
Não sofrer do coração
Por isto não tinha risco
De morrer da operação
Levaram-o pra Fortaleza
Ele muito consternado
Sempre dizendo me deixem
Que eu morra sossegado
Em minha casa, em meu leito
Com a família ao meu lado
Assim foi ele internado
No hospital militar
A seiscentos mil cruzeiros
Por cada diária, a pagar
Que era o preço na época
De hospital particular
Lhe aplicaram uns sedativos
Ele teve uma melhora
Bateram radiografia
Disse o velho: eu vou embora
Ninguém me obriga operar-me
E saiu de porta a fora
Os médicos assim não puderam
Fazer sua cirurgia
Trouxeram o velho de volta
Mas logo no outro dia
Passou a tarde e a noite
Sem sossego, em agonia
E D. Neuma ao seu lado
Sem comer e sem dormir
Desde que ele adoeceu
Sem mais poder resistir
Para o hospital da cidade
Teve que, com ele ir
Lá foi lhe aplicando o soro
Que era seu único alimento
O velho já muito pálido
Cadavérico e sem alento
Também lhe aplicaram sangue
Sem êxito algum no momento
E como do tratamento
Nenhum resultado viram
Todos que lhe visitavam
Junto a família interviram
No de operar o velho
E na mesma noite seguiram
O velho, sem mais ação
Já não mais se dominava
Dr. Henrique também
Muito se preocupava
Pois pra tentar dar-lhe a vida
Era o meio que restava
Então no mesmo hospital
Que tinha estado internado
Foi ele a segunda vez
E nesta foi operado
E como reagiu bem
Aguardaram o resultado
SEMI, amigo e vizinho
Do velho, e leal amigo
Lhe acompanhou desde quando
Viu sua vida em perigo
Já por que seu filho homem
Não podia estar consigo
Sr. Semi, avisava
Pela rádio VERDES MARES
Pra rádio do Acaraú
Que se ouve em todos lares
Todas notícias do velho
Para os seus familiares
Logo no primeiro aviso
O velho passava bem
Foi grande a expectativa
Não desesperou ninguém
Que dizia: “Não se sabe
É se o velho, vivo vem”
Uma inflamação no esôfago
Desde novembro, afinal
O exame radiográfico
Tinha acusado o local
Mas por ser um tanto tarde
Poderia ser fatal
Porém, o velho ainda lúcido
Seu coração reagia
Com aquele raio de esperança
Para a família pedia
Pra morrer na sua casa
Como sempre preferia
E pra completar dizia:
“Quero morrer sossegado
Nas Porteiras, em minha casa
Com minha gente ao meu lado
Onde enterraram meus pais
Também serei sepultado”
Com oito dias depois
Deram alta ao paciente
Pois em hospital algum
Há leito suficiente
Quanto mais em Fortaleza
Para atender tanta gente
Retornaram a Acaraú
Pois D. Neuma pensava
Que com a tal cirurgia
Seu velho recuperava
Porém, de vir pras Porteiras
Era em que o velho falava
O velho, tão bem se achava
Que da ambulância saiu
Marchando em rumo da casa
E ali ninguém pressentiu
Lá tropeçou na calçada
Quando a mulher lhe acudiu
Sami e o motorista
Que ali estavam também
Levaram o velho pra cama
E o velho disse: “Eu estou bem
Retive a queda com os braços
Que algum ânimo ainda tem”
Ao se despedirem os homens
Lhe disse o velho: “Obrigado”
Poucos minutos depois
Na cama se pôs sentado
Dizendo: “Eu quero rede
Pois de cama estou massado”
A mulher foi ver a rede
Da cama ele levantou-se
Armou um tucum na área
E sem auxílio sentou-se
A mulher repreendeu-o
Por tudo que ali passou-se
Mas o velho desfasou-se
Como quem não estava mal
Dizendo: “Aqui estou vendo
A rua e o pessoal
Porquê a dias que venho
trancado num hospital”
Já era noite a final
Quando foi se recolher
D. Neuma pressentiu
Muita água ele verter
Pela própria operação
Que lhe fez esmorecer
Já não podia conter
Muitos panos ensopados
Parecia a cirurgia
Ter muitos pontos quebrados
O velho disse a mulher:
“Meus dias estão findados”
No hospital da cidade
Foi novamente internado
O médico fechou os pontos
Porém, não deu resultado
Lhe abriram um orifício
No baixo ventre, de lado
Ali ficou colocado
Uma bomba de extração
Para retirar a água
E qualquer segregação
Além do soro aplicado
De vez em quando, injeção
Era um episódio triste
Na vida de quem, outrora
Tanto destetou remédios
E tantos tomava agora
Mas é que já não podia
Dominar-se, aquela hora
Com seis dias depois disto
O velho muito abatido
Conversava muito pouco
Mas todo sentido
Aquele que o visitava
Se sentia constrangido
Apareceu de repente
Um sangue na sua urina
Devido um calculo de rim
Então o médico imagina
Que este havia estourado
Tão triste era sua sina
Dr. Henrique ligou
Pra junta médica que havia
Dado atendimento ao velho
Sobre a sua cirurgia
Do que estava acontecendo
Enquanto convalescia
Respondeu-lhe a junta médica
Neste caso o paciente
Precisa operar de próstata
E tem que ser mais urgente
Porém, isto é se a família
Achar que é conveniente
Toda família presente
Tiveram que concordar
Levar-lhe então novamente
Para da próstata se operar
Na esperança que o velho
Ainda pudesse escapar
José Magalhães, decide
Com a alma comovida
Embora se gaste tudo
Que meu pai ganhou na vida
Esta é nossa obrigação
Que deverá ser cumprida
E naquela mesma noite
Seguiram pra Fortaleza
D. Neuma, com seu velho
Na mais profunda tristeza
Pois, desta vez, sua morte
Não seria mais surpresa
E lá, no mesmo hospital
Que tinha sido tratado
Bateram radiografia
Tudo ficou constatado
Mas o velho quase morto
Não tinha mais resultado
Além de próstata, o velho
Já sofria de Aci-te
Causada pela fraqueza
À junta médica admite
De a um mês não comer nada
Por sofrer de uma gastrite
Feito esse diagnóstico
Os médicos viram que o mal
Que agora atingia o velho
Era de maneira tal
Que se ainda fosse cortado
Sua morte era fatal
Lhe aplicaram uns sedativos
E na veia, uma injeção
Porém, o velho só tinha
Vivo, mas o coração
E ficaram ali somente
Para prestar-lhe atenção
E as quatro da manhã
Do dia três de fevereiro
Do ano noventa e dois
No suspiro derradeiro
Sua alma deixou seu corpo
Há um mês, prisioneiro
Organizaram ligeiro
O seu caixão mortuário
Avisaram pelo rádio
Do enterro funerário
No dia seguinte, em Cruz
Marcando até o horário
Porém o destinatário
Por ordem dele, marcada
Pra fazer-se seu velório
Na sua antiga morada
Que sua esposa deixou-lhe
Como herança consagrada
A esquife foi chamada
Pra transportar o caixão
Porém, quebrou na viagem
Foi a maior confusão
Já a noite chegou outra
Por substituição
O povo de prontidão
Nas Porteiras o esperava
Porém, devido a demora
Melhor se recomendava
Trazê-lo pra Acaraú
Pra casa onde morava
As 11 e trinta da noite
No Acaraú chegaram
Só 15 ou 20 pessoas
Junto ao caixão pernoitaram
E as 6 horas da manhã
Para o enterro avisaram
Já nove horas chegaram
Para o enterro afinal
No cemitério de Cruz
Onde estava o pessoal
Para ver a ultima vez
O velho amigo leal
De um modo cordial
Um teço ali foi rezado
Após o terço, SAMI
Um tanto emocionado
Discursou com referência
Ao velho amigo prezado
Corpo
Foi o seu guardado
No seu velho mausoléu
Onde, também sua mãe
E seu velho pai fiel
Que os tenha no reino
Que Deus preparou no céu
Agora, em nome dos seus
A Deus ainda suplico
Piedade pela alma
De quem chamou-se de rico
Porém, por sua humildade
Muito pesaroso fico
Vão meus sinceros pesares
Do respeito que eu lhe tinha
Pra viúva, D. Neuma
E a pequena Geraldinha
Para José e Edilsa
Terezinha e Mariinha
E faço votos a Deus
De quem recorro o auxilio
Pra que José Magalhães
Possa caminhar no trilho
Por onde seguiu seu pai
Como exemplo de bom filho
Aqui termino o tratado
Que passo a chamar de história
Sendo tão modesta e simples
Não pode ser meritória
Mas descrevi um exemplo
Pra conservar-se em memória
A morte trás a vitória
Assim nos diz o Messias
Quem viveu trinta e um mil
Quinhentos e trinta dias
Terá por certo esta glória
Na fé de JAIME FARIAS.
FIM.
24 de abril de 1992
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