sexta-feira, 1 de junho de 2007

Eu grito - Cleo Andrade

Eu grito

Eu grito pelas coisas que não são.
Eu grito pela fome e pela miséria.
Eu grito por temer a minha condenação,
De ser aprisionada nesta sela
Que tornou-se a cidade grande
Que não é maior que o campo
Mas que aperta meu coração
E revira minha cabeça
Quando grito em alerta.
Eu grito quando vejo aquele olhar
Triste, desconsolado nas calçadas.
Eu grito tanta coisa...
Não, eu não quero mais gritar.
Mas eu grito porque sou gentenão um objeto a vagar.
Grito porque sonho outro lugar
Que nas calçadas tenham flores
Não pessoas sem amores.
Que todos morem!
Não vaguem...
Que vivam!
Não sobrevivam...
Que não tenham alegria...
Mas felicidade!
Que estudem por necessidade!
Não por obrigação.
Aliás, o que é necessidade?
Muitos políticos nem sabem o que é...
Pra eles, necessário é:
Não falar a necessidade.
Mas a cidade ta aí,
Cheia de necessitados.
E o cidadão que tem seus filhos
Que se vira pelo pão,
Não tem mais necessidade que eles, ou,
É só mais um sem um chão?
É por isso que eu grito.
Quem acredita que estudei?
Há uma porção de perguntas que me fazem.
Coisas que eu nem sei!
Depois vem gente me dizer
Que é preciso de certificado.
Se esse tal certificado,serve pra me certificar...
Então eu mesma farei.
Vou já começar:
Certifico-me moradora de rua;
Conheço a fome e a miséria.
Certifico-me doutora em matéria de roubo.
Certifico-me banalizada pela sociedade.
Certifico-me bacharelada em favelas.
Certifico-me excluída porque ninguém ta nem ai pra mim!
Certifico-me a próxima vítima porque saúde não conheci.
Mas certifico-me também lutadora pela vida,
Porque com um emprego sempre sonhei.
A duras penas tenho sofrido...
Mas certifico-me ter acordado.
Queria mais tempo pra ter sonhado.
Sonhando não sinto frio.
Quando acordo, sempre espera um dia
Solitário e vazio.
Mas o que não tenho vou buscar.
O que fazer se quem tem
Não me dá, ou, ajuda a ganhar?
Sonho e grito
Um dia meu sonho vai se realizar
E quando meus filhos nascerem,
Sem medo de sonhar e viver
Eles viverão o que sonhei.
Enquanto isso: eu grito!
Grito pra ver a vida acontecer.
C. Andrade (23/08/06)

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